O Último Turno

O Último Turno Documentário Crítica Filme Pôster

10ª Mostra Ecofalante de CinemaSinopse: Em “O Último Turno”, acompanhamos a árdua transição laboral de Tomas, um mineiro checo de meia idade que já protagonizou, em 2017, um curta que retratava o seu último dia em uma das últimas minas a fechar na República Checa. O início deste documentário multipremiado retoma esse fatídico dia e segue Tomas na sua empreitada em busca de uma nova profissão. Quando ele coloca como meta virar um programador de informática, graças a um dos programas nacionais de reinserção laboral, não podia imaginar onde encontraria os maiores desafios.
Direção: Jindřich Andrš
Título Original: Nová šichta (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 31min
País: República Tcheca

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Adiando o Fim

A extinção de profissões – ou o termo apocalíptico “fim do emprego” – tem sido objeto de algumas produções da Mostra Ecofalante de Cinema nos últimos anos. Não tardará dele ser o assunto de convergência, já que estamos à beira de não conseguir mais ignorar o tema, mesmo para quem nega o processo e ainda credita à tecnologia bem mais bônus do que ônus. No caso de “O Último Turno” (que a tradução soa mais pessimista, já que no original é o próximo turno), a motivação para o fim de uma atividade é a mistura de insalubridade com a agressão ao meio ambiente.

Porém, não se engane, há por trás interesses econômicos para que as minas da República Tcheca sejam totalmente desativadas. Um caminho que não faremos aqui, mas é fácil de compreender para quem se interessar sobre os últimos anos de vida política do país. O diretor Jindřich Andrš é bem direto e pessoal na abordagem do documentário, em uma obra totalmente reconstitutiva. Acompanhará os passos de Tomas, repetindo os momentos-chaves de sua trajetória profissional em busca de um novo emprego.

Na introdução, uma viagem dentro de uma dessas minas. A câmera no capacete amplia o ambiente claustrofóbico e no final do derradeiro dia no desempenho da função, ele tira a grossa camada de sujeira no rosto e se despede do ofício que praticou por 25 anos. A imprensa parece interessada no destino daqueles mineiros. Os mais velhos, em tempo de se aposentar, questionam o desrespeito aos seus direitos previdenciários e a forma como não lhes foi garantido o mínimo para manter o padrão de vida. Para os homens de meia-idade, como o protagonista, o governo preparou um programa de capacitação e reenquadramento no mercado de trabalho.

A profunda crise pela qual o Brasil passa, ampliada pelos efeitos da pandemia de covid-19 já que o Estado não ouviu os especialistas da área médica que diziam que apenas com o combate ao vírus recuperaríamos a economia, gerou algo parecido aqui. De forma atravessada, as medidas outrora temporárias de proteção ao emprego viraram definitivas na nova reforma trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada. Já o Ministro da Educação tem feito contribuições sistemáticas para a esculhambação que alguns chamam de governo federal e defendeu que o ensino universitário deve ser para poucos e devemos investir em cursos técnicos. Por sinal, uma plataforma que foi duramente criticada agora, mas que – dependendo do agente que a defenda – é bem aceita dentro do mesmo espectro ideológico.

Ora, trata-se de paliativos à brasileira e “O Último Turno“, apesar de milhares de quilômetros de distância, nos instiga a pensar que o futuro é bem pior do que novas capacitações. Tomas acata o programa New Shift e tenta se tornar profissional de TI (por sinal, o mesmo exemplo dado por Milton Ribeiro). De forma sintética, suplementa o pouco conhecimento e familiaridade com a atividade e aprende o básico – desde pacote Office até códigos mais simples de programação. Contudo, não consegue se encaixar com tanta facilidade.

Quando o faz, precisa lidar com o preconceito do grupo mais jovem, seus colegas de trabalho que investiram anos nessa formação específica. Na sequência mais forte do documentário, um deles o acusa de ser uma ferramenta de propaganda do Estado para defender o tal programa de fomento ao trabalho, dando uma justificativa à opinião pública. Apesar de ser uma simulação, é possível imaginar o peso dessas palavras junto ao protagonista.

Digo isso porque faço parte de uma carreira que, se não à beira de extinção, hoje emprega muito menos. A advocacia não é um trabalho braçal, então não entra na assustadora conta feita ao término do longa-metragem, que aponta 800 milhões de postos de trabalho que deixarão de existir em um quarto de século. Mesmo assim, tomar a decisão de seguir outra profissão ou pelo menos uma formação, é, sim, conviver com a ideia de que não há mais tempo para recomeços em sua vida de pessoa de meia-idade.

Quando treina o seu inglês, um requisito importante para ser aceito em uma empresa de TI, o professor diz que Thomas dá uma entonação que dá a impressão de que ele foi obrigado a ter contato com um novo ofício. Ele não responde, mas isso é a mais pura verdade. O mercado hoje nos atira para novas frentes porque não sabemos quando ficaremos na calçada sem trabalho. Pior, não se trata mais de “mudar” e sim de “acumular” funções e formações que nunca nos parece suficiente.

O Último Turno” é uma das produções mais pesadas desta primeira semana de Ecofalante. Talvez porque seu método reconstitutivo consiga, mesmo sem usar atores, incutir uma carga dramática que a espontaneidade das captações não consegue. Pense na forma como o filho de Tomas lamenta o fato de sua família precisar de ajuda financeira agora que o pai não tem trabalho. Imagina o medo de quem pensa no planejamento de ter filhos porque não consegue garantir que a sua carreira irá existir daqui a cinco anos, quando ele entrar na escola; daqui a doze quando ele se tornar adolescente; ou daqui a dezessete quando ele for escolher a carreira dele.

Nosso personagem parece mesmo um caso pinçado para ser o exemplo que deu certo. Se reinventa como um palestrante bem humorado, quase um alívio cômico da tragédia que a Humanidade começa a encarar com a pulverização de funções remuneradas a quem habita o planeta. A empresa de TI aparece com um slogan ao final: “soluções rápidas e simples“. Uma ironia diante de tanta complexidade apresentada por “O Último Turno” na figura de um, meramente um, trabalhador da República Tcheca. Ao final da sessão nos perguntamos: quando for a nossa vez, como recomeçar? Ou melhor: para que recomeçar? Já que o instinto de sobrevivência e a boa vontade de terceiros não será o suficiente para resolver esse problema.

Veja o Trailer:

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