Olga

Olga 2021 Filme Crítica Apostila de Cinema Poster

Sinopse: Em 2013, Olga, uma talentosa ginasta ucraniana de 15 anos, está exilada na Suíça tentando conquistar seu espaço no National Sports Center. Mas a revolta de Euromaidan, uma onda de manifestações nacionalistas e de agitação civil, irrompe em Kiev, e repentinamente envolve seus familiares. Enquanto Olga precisa se adaptar ao novo país e se preparar para o Campeonato Europeu, a revolução ucraniana entra em sua vida, transformando-a completamente.
Direção: Elie Grappe
Título Original: Olga (2021)
Gênero: Drama | Esporte
Duração: 1h 25min
País: Suíça | França | Ucrânia

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Cada Bandeira, Uma Escolha

Durante as exibições especiais de mais uma edição do Festival do Rio dentro dos canais e do serviço de streaming do Telecine, a produção suíça “Olga” volta a uma temática e ambientação que parece ter encontrado forte adesão na Europa – e com representante brasileiro que dialoga com tais obras. O filme de Elie Grappe é um drama esportivo que parte da forte cobrança por rendimento e resultados de jovens meninas. Aqui, contudo, um componente político se destaca – e ganha força com o recente conflito entre Rússia e Ucrânia, em guerra há alguns meses. Exibido com destaque no Festival de Cannes de 2021 e representante de seu país na categoria de melhor filme internacional no Oscar 2022, o longa-metragem, em pouco tempo, ganhou outro peso e dimensão.

A história começa em Kiev, no ano de 2013. Nele, a garota Olga (Anastasiia Budiashkina), nascida e criada na Ucrânia e de pai suíço, precisa escolher em qual Federação ela se manterá filiada. Testemunhando, ao lado da mãe, um flagrante crescimento e desenvolvimento na cidade onde reside, ao mesmo tempo em que sente o peso de um Centro Olímpico com menos estrutura e oportunidade para brilhar em competições de alto nível. Porém, a protagonista parece integrada com as colegas de time e respeita o direito da progenitora ter forte atuação política.

Olga” se passa em período conturbado no país, em meio a protestos sobre as negociações junto à União Europeia e na comercialização do gás russo. Por sinal, agentes e elementos importantes agora, nove anos depois. Manifestações cada vez maiores, chegando a duzentas mil pessoas em Kiev, não deixam de passar uma sensação de insegurança. Em um primeiro momento, o deslocamento espacial parece fazer bem à menina, que deveria focar em aprimorar sua atuação na ginástica artística. Porém, ao decidir ser parte do time suíço, ela sofrerá dos dois lados.

No novo ambiente, testemunhará problemas de adaptação. A forma como as novas companheiras de time a enxergam mais como uma concorrente, mitigando a boa convivência e a lealdade das amigas ucranianas, aumentará a pressão em Olga. No território que deixou para trás, o recrudescimento da crise social e política e a inviabilidade da adolescente de se posicionar de maneira contundente, deixará uma sensação de alienação ou “traição” por parte de alguns. Pela mãe, denota-se certo desapontamento, quase como se reconhecesse que a aquela escolha levou a filha para o caminho do sucesso individual.

Se pensarmos na maneira como atuam algumas federações europeias, em alguns esportes, concluiremos que casos como o de Olga são comuns. Em 2022, em meio ao conflito entre Rússia e Ucrânia, uma situação curiosa aconteceu. Como parte da pressão cultural por um apagamento russo dentro do Ocidente, diversos boicotes ou impedimentos a obras artísticas e atletas do país forma observadas. Em uma das mais polêmicas, a organização do torneio de tênis de Wimbledon não aceitou a inscrição de russos na chave. Fontes dizem que houve um pedido da Família Real, que queria evitar o “constrangimento” da entrega de uma das taças mais cobiçadas do esporte fosse passada – em meio a uma guerra em que a OTAN possui um lado – para jogadores russos.

O resultado foi que a campeã da chave feminina foi Elena Rybakina. Jogando sobre a bandeira do Cazaquistão, ela é russa da cabeça aos pés, com direito à residência em Moscou. Entretanto, boas condições de trabalho e bônus por premiação fizeram com que ela (e dezenas de outros atletas) se filiassem à federação cazaque. Uma ideia de nação turva e capaz de gerar incongruências como banir produções audiovisuais em grandes festivais, mesmo com realizadores contrários ao atual governo de Putin. Ou deixar de fora o atual número 1 do mundo da chave masculina, Daniil Medvedev, mesmo ele se manifestando totalmente contrário à guerra. Com relação às manifestações políticas, o clímax do filme guarda uma surpresa para o espectador emocionado e ansioso por posicionamentos.

Não podemos esquecer do artigo que será lembrado por décadas por todos aqueles que estudam a sociedade brasileira e a forma como a mídia entende o esporte. Hoje uma estrela na TV e na internet, sendo apontado como alguém que “revolucionou” a linguagem das transmissões no Brasil, Tiago Leifert – em período pós-golpe, enquanto o embrião do governo de Jair Bolsonaro era gestado no início do ano de 2018 – se manifestou de forma incisiva sobre a diferença entre jornalismo e entretenimento, a ponto de cravar a máxima de que “evento esportivo não é lugar de manifestação política“.

Pois, para além do componente político, o longa-metragem também reflete as agruras de uma menina pressionada pelo alto rendimento do esporte. Aqui na Apostila de Cinema já falamos disse em “Espacate” (2020) e “Slalom – Até o Limite” (2020) como representantes europeus de temática parecida. No Brasil, “Raia 4” (2019) leva para a natação esta questão, adiciona elementos de gênero para trazer a complexa relação entre competição e amizade dentro do time da protagonista. E, assim como em “Olga”, utiliza no elenco aspirantes reais no esporte que conduz a narrativa e consegue certo grau de veracidade. Aqui isso é ainda mais relevante, já que passaremos por uma abordagem narrativa que traz o risco de uma lesão, em momentos-chaves dos treinamentos e das carreiras de atletas – algo que pode diferenciar o fim de um sonho de uma medalha de ouro.

A obra é digna dos elogios, uma vez que consegue equilibrar bem o drama pessoal, o contexto histórico e as questões políticos a ele inerentes e adiciona o problema social que envolve as migrações dentro da Europa. Isso a tempo de passar por um cenário interessante de uma nação que há menos de uma década ia às ruas lutando por mais democracia e agora convive com bombardeios diários. “Olga” ainda nos transporta para o ano de 2020, mostrando o que aconteceu com aquela jovem e a pressão desproporcional para sua idade. Uma verdadeira lição para jornalistas que ainda acreditam que tem em sua pauta “apenas” esporte.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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