Os Curtas de Allan Deberton
A Maturidade em Três Atos
Allan Deberton, cineasta responsável por “Pacarrete“, múltiplo vencedor do Festival de Gramado de 2019, não caiu de para-quedas no mundo do audiovisual. Seu longa-metragem de estreia ter a potência de um clássico instantâneo, como alguns críticos mais apaixonados gostaram de carimbar, não é um mero acaso. Por ocasião da pré-estreia do filme estrelado por Marcélia Cartaxo, a Apostila de Cinema buscou os três curtas-metragens realizados pelo diretor cearense para traçar uma ligação e um caminho até a mala cheia de Kikitos que ele precisou despachar no ano passado.
A melhor informação é que todas as obras estão facilmente disponíveis para quem deseja, assim como nós, fazer uma sessão de quase uma hora com os early years de Deberton. Começando com “Doce de Coco” (2010), encontrado nesse link do inoxidável Porta Curtas. Um filme que nos insere no mundo de Russas, a mesma cidade que Pacarrete tanto fazia questão de homenagear. Aqui estamos afastando da zona urbana e conhecemos uma casa de família em que uma rotina não pode falhar: João retira os cocos do coqueiro, Diana e sua mãe Lúcia preparam cocadas e o pai Zacarias os vende na cidade. Um existir carregado de lógica e imutabilidade, não fosse uma tarde à beira do rio.
Em “Doce de Coco” é bonito ver um jovem cineasta se testando. São movimentos de câmera lentos, como se fossemos alguém navegando por aquelas águas enquanto flagra uma cena. É o uso da profundidade de câmera como a escolhida na imagem que abre esse texto, quando finalmente o espectador deixará os limites daquela casa e suas paredes brancas e as luzes da área externa começam a reluzir ao fundo. Deberton vai esvaindo a pureza e a imaturidade usando as mudanças que um dia nos traz. Traça um paralelo com o fim de tarde e com uma noite em que não podemos saber como terminará para tratar da chegada da vida adulta. Mais do que um mundo de desapegos e novos apegos, a protagonista Diana (Débora Ingrid) aos poucos vai sentindo que a melancolia é mais do que momento. Por vezes, ela é um inafastável estado de espírito.
O segundo curta-metragem é “O Melhor Amigo” (2013), disponível no canal da produtora Deberton Entretenimento no Vimeo (e que pode ser acessado nesse link). Aqui o cineasta é mais direto em sua narrativa. Trata de amor e amizade usando apenas dois personagens. Mostra uma tendência a usar a juventude e a descoberta da maturidade como mote de suas primeiras obras – curiosamente fazendo isso de forma oposta no primeiro longa, com uma protagonista bem mais velha.
Nesse trabalho, o diretor explora um pouco mais a cumplicidade, a força de laços. Só que usa a chegada da maturidade pelo viés das descobertas e as consequências internas e externas a partir delas. Mais do que isso, abre questão sobre a famigerada projeção do outro, que por vezes se torna uma mera ferramenta para essas descobertas que precisamos alcançar. É apenas o primeiro dia de férias e há apenas uma ida à praia para os dois personagens, interpretados por Jesuíta Barbosa e Victor Sousa. Se há conexões ou idealizações, é um julgamento que Deberton deixa o público à vontade para fazer.
Já o terceiro curta-metragem, “Os Olhos de Arthur” (2016) foi disponibilizado pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará durante o período da pandemia de Covid-19. Deixamos ao final desse texto o vídeo para quem deseja assistir. Como ato final e fim de um ciclo de realizações mais curtas, acaba por se revelar a obra mais madura de Deberton até então. Baseado em fatos, o cineasta adiciona dois elementos pouco identificados nas obras anteriores e tão fundamentais para o sucesso de “Pacarrete”: a força empática e a carga dramática.
Mais do que isso, o filme tem no uso do som e da trilha um eficiente exercício de criação de clima. O espectador acaba por deixar suspensas suas reações, à espera do comportamento do protagonista, vivido por André Campos. Isso se dá pela ambientação feita pelo cineasta, que usa muito as imagens embaixo d’água para ampliar na narrativa a perseguição de um objetivo de Arthur, que – dentro de uma piscina, em meio a um treino de natação – tem ainda mais dificuldade em verbalizar qualquer coisa.
Chegamos ao final da jornada com a certeza de que Allan Deberton também estava pronto para perseguir objetivos maiores. Em “Os Olhos de Arthur” ele fecha, informalmente, uma trilogia se valendo da melancolia, do estranhamento e – principalmente – do desamparo rascunhado nos outros curtas-metragens. Três anos depois, ele atravessaria o país com carga de máxima potência em sua bagagem.
ASSISTA AO CURTA “OS OLHOS DE ARTHUR”:
Ficha Técnica da Sessão Os Curtas de Allan Deberton
Doce de Coco (Allan Deberton, 20″ – 2010)
Sinopse: A família de Diana trabalha com cocadas caseiras. João retira os frutos do coqueiro para que Diana e Lúcia preparem os doces. Zacarias vende a produção na cidade. Certo dia, Diana vai para o rio com a mãe e tia Maria.
O Melhor Amigo (Allan Deberton, 17″ – 2013)
Sinopse: Sábado, primeiro dia de férias. Lucas e Felipe decidem ir a praia.
Os Olhos de Arthur (Allan Deberton, 15″ – 2016)
Sinopse: Arthur quer ser nadador. Maria, sua babá, quer se casar.
Os Curtas de Allan Deberton