Doce de Mãe

Doce de Mãe

Sinopse: Em “Doce de Mãe”, Fernanda Montenegro é Dona Picucha, uma senhora de 85 anos que precisa encarar a dificuldade de morar sozinha. Sempre de bom humor, ela contará com a preocupação e a ajuda de seus quatro filhos.
Direção: Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
Título Original: Doce de Mãe (2012)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 10min
País: Brasil

Doce de Mãe

Não Estamos Todos Bem

A Casa de Cinema de Porto Alegre já era um inquestionável patrimônio do audiovisual brasileiro quando a TV Globo encomendou um filme feito diretamente para a televisão para Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado. “Doce de Mãe” (disponível na plataforma Globo Play) foi bem recebido e rendeu um seriado no ano seguinte – é possível que o limite de episódios tenha se dado pela dinâmica da estrela Fernanda Montenegro, sempre envolvida em diversos projetos ao mesmo tempo. Nos chega à Apostila de Cinema como um exercício sobre a carreira de Azevedo na função de diretora, posto que “Aos Olhos de Ernesto” – aguardando estreia em circuito comercial – já é entendido pela nossa equipe como uma das grandes produções brasileiras do ano (em que for efetivamente lançado).

O longa-metragem nos traz Dona Picucha, uma senhora de 85 anos que precisa encarar a dificuldade de morar sozinha. Viúva, moradora do subúrbio, perderá em breve a companhia da funcionária de sua casa, uma mudança na estrutura residencial brasileira muito identificada na década passada. Na apresentação da personagem, a dupla de cineastas (que dividem o roteiro com Miguel da Costa Franco) revela uma Picunha consciente da proximidade da morte e preocupada em afastar o jargão condescendente de qualificar os idosos como “representantes da melhor idade”. É um prenúncio de que Azevedo e Furtado lidarão melhor com as questões de representações nessa faixa etária em comparação com “Antes que o Mundo Acabe” (2009) que, lançado três anos antes, exagera no tom purista.

A personagem de Fernanda Montenegro (indicada ao Emmy Awards Internacional como melhor atriz pelo papel) nos traz como referência o pai de quatro filhos Matteo Scuro, que Marcelo Mastroianni interpreta em “Estamos Todos Bem” (1990), do brilhante Giuseppe Tornatore – vencedor do prêmio do Júri Ecumênico do Festival de Cannes. Ou, na versão estadunidense, o Frank Goode de Robert De Niro de “Estão Todos Bem” (2009), do medíocre Kirk Jones, que parece ter sentido o baque da carreira ao dirigir “Casamento Grego 2” em 2016.

Em “Doce de Mãe” estamos mais próximos da bondade do goode de De Niro do que do ar sombrio de scuro de Mastroianni. Todavia, como os quatro filhos de Picucha estão diante de uma relação materna e não paterna, é claro que eles buscam o aconchego do lar e vão visitá-la (e não o contrário). A partir de uma noite regada de panquecas, a narrativa segue pelo caminho da iminente solidão da progenitora. Algo que traz preocupação da cria, apesar da protagonista parecer lidar bem com isso.

Como um produto televisivo, a obra prestigia a verbalização, recheando as cenas de diálogos expositivos. O pouco tempo para desenvolver adiciona mais um empecilho e exige o uso dessas ferramentas. Um exemplo acontece quando dois filhos falam da suposta neurose da mãe, que acreditaria estar sendo ameaçada pela nova acompanhante. Reputam ao fato de Picunha estar vidrada em programas policiais, um tóxico companheiro das tardes de muitos idosos. Porém, durante o longa-metragem nenhum momento como esse é mostrado. Mesmo assim, um elenco experiente, liderado por uma Fernanda Montenegro muito à vontade, tornam a experiência de assistir ao filme televisivo muito prazerosa.

Todavia, permanece a dúvida em relação ao caminho proposto por Ana Luiza Azevedo no maduro “Aos Olhos de Ernesto”. Não fica claro se o conto natalino tão bem produzido pela Casa em parceria com a TV Globo é uma obra transitória, um fim de um ciclo ou nada disso. É possível que se veja em “Doce de Mãe” uma ideia de abandono paulatino dessa doçura da cinematografia sulista, adicionando uma languidez tanto nos elementos de cena cada vez mais escuros quanto na própria vitalidade perdida da personagem de Montenegro. Nesse caso, o longa-metragem estrelado por Jorge Bolani a ser lançado pela cineasta em breve dá, sim, início à fase mais interessante de sua brilhante carreira.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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