Os Inventados

Os Inventados Filme Crítica Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: Em “Os Inventados”, durante um fim de semana, Lucas participa de um workshop de atuação em que todos precisam fingir ser outra pessoa. Porém, a cada dia que passa, um participante desaparece sem deixar vestígios de sua existência e Lucas parece ser o único a se dar conta disso. Será que todos têm uma tarefa diferente da sua? Ou ele também poderá desaparecer misteriosamente?
Direção: Leo Basilico, Nicolás Longinotti, Pablo Rodríguez Pandolfi
Título Original: Los Inventados (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 30min
País: Argentina

Os Inventados Filme Crítica Imagem

Fingir Costumes

Dentro da Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, “Os Inventados” é dirigido por Leo Basilico, Nicolás Longinotti e Pablo Rodríguez Pandolfi. Uma comédia argentina, que usa as ferramentas pós-modernas de discursos e o cinema de guerrilha de forma divertida e equilibrada na história de um final de semana bem estranho na vida de Lucas (Juan Grandinetti), um ator que aceita participar de um workshop que se transforma em uma “experiência”.

Os cineastas são três amigos de Universidade de Buenos Aires que tomaram caminhos distintos na carreira. Formados em desenho de imagem e som, Leo seguiu o rumo da direção de filmes e séries, enquanto que Nicólas se tornou montador (inclusive do último documentário de Agnès Varda) e Pablo pareceu mais interessado em atuação. Aqui suas proficiências se complementam, em um jogo de “resta um” que apenas o protagonista parece perceber. A ideia é simples: eles precisam morar quatro dias em uma casa fingindo ser outra pessoa. O profissional que os instiga sairá de cena para que qualquer vinculação com o real desapareça durante o período.

Com isso, Lucas, aspirante a ator e tímido operador de telemarketing preocupado com seu cachorro que ainda está se acostumando a ficar sozinho em casa, se transforma em Matías, advogado com hobby em jardinagem. “Os Inventados” poderia ser apenas um privado show de realidades, que mostrará cinco pessoas exercitando nosso poder de criar, desenvolver e se manter em uma mentira – que muitos de nós chamamos apenas de vida. Todavia, o humor ganha uma carga de estranhamento quando, sempre que um novo dia começa, um daqueles agentes some – e os remanescentes parecem tratar como se ele nunca tivesse existido.

Duas inspirações são apresentadas nos créditos finais e ela dizem muito sobre a trajetória do protagonista. A primeira é o clássico de Goethe, “Fausto“, pela leitura de Murnau de meados dos anos 1920. A segunda é o  argentino “Nazareno Cruz y el lobo” (1976) de Leonardo Favio. Obras que se debruçam sobre a finitude da vida e até onde você cederia para ter o poder e a riqueza do mundo em suas mãos. No fundo, Lucas parece acreditar ou apostar na hipótese de que vale a pena não se insurgir se, ao final do processo, ele for o “escolhido”. Isso pode ser desde a sobrevivência (afinal, não sabemos para onde vão os sumidos) ou à suposta vitória no workshop de atuação. O tamanho da recompensa se torna indiferente em uma sociedade que nos doutrinou a competir, independente do que for.

Ou seja, para além de inventar uma persona, Lucas deve ser capaz de se reinventar, adaptar-se às circunstâncias em uma micro sociedade que aplica com eficiência as ferramentas da pós-verdade. Os cineastas contribuem nas primeiras sequências para esse jogo, tornando as interações entre os personagens pequenos compartimentos, janelas que se conectam apenas nas apresentações gerais. Reflete uma comunidade de pouco diálogo e nenhuma empatia. Ainda coloca uma agravante no passado daquele homem, que tenta esconder que foi um ator mirim de grande sucesso em um programa de televisão.

Portanto, podemos intuir que a criação desse Matías não é a primeira experiência de Lucas como manipulador da realidade. Aliás, ele é flagrado em algumas situações reproduzindo histórias dos outros, tomando para si narrativas. A forma como o filme se apresenta, nessa ironia causada pelo estranhamento, é apenas uma visão exagerada do que a realidade nos traz: nunca sabemos, de verdade, quem são essas pessoas que nos orbitam. Tudo se torna engraçado pela passividade de alguém que entende que há algo de errado, mas vive em um mundo tão acostumado com a descartabilidade do outro, de dinâmicas sociais transitórias e baseadas no cumprimento de funções, que usa o workshop como desculpa para externar apenas que não se importa.

Desde que o próximo a sumir não seja ele mesmo – um risco que todos nós corremos quando aceitamos que todos os relacionamentos são atravessados na contemporaneidade. O que transforma o jogo de “Os Inventados” em algo ainda mais hipnótico e marcante é que seus realizadores, na parte final, invertem o protagonismo e transformam o medo hipotético de alguém que acreditamos ter o protagonismo em alguém vivendo uma ameaça real. Na fluidez de nossos tempos, não devemos acreditar sequer em uma narrativa que se apresenta na formatação tradicional.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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