Sinopse: Nyles é um cara despreocupado que conhece Sarah num casamento em Palm Springs. Mas tudo se complica quando ambos ficaram presos em um loop temporal.
Direção: Max Barbakow
Título Original: Palm Springs (2020)
Gênero: Comédia | Romance | Fantasia
Duração: 1h 30min
País: EUA | Hong Kong
Tudo Novo de Novo
Quem acompanhou a temporada de premiações buscando entre os injustiçados aqueles que não receberam nenhuma indicação ao Oscar 2021, sem dúvida bateu o olho em “Palm Springs“. A comédia, com elenco liderado por Andy Samberg, no auge da popularidade como Jake Peralta de “Brooklyn 99” (para muitos a melhor série do gênero em curso), nos leva por três caminhos diferentes. Cria uma expectativa, entrega o plot mais preguiçoso dos últimos tempos e reverte o jogo mostrando que as escolhas narrativas – por mais que soem cansadas – ainda são capazes de se transformar em uma boa história. Portanto, se você deseja total surpresa em relação à trama, aconselhamos a ler esse texto apenas depois da sessão. Não serão grandes spoilers, mas pode prejudicar a experiência.
Os créditos já nos envolve na breguice de Forever and Ever, clássico romântico de Demis Roussos da década de 1970, que leva o espectador de meia idade àquelas coletâneas de CD que precisávamos aturar quando nossos pais e avós acordavam mais animados. O diretor Max Barbakow, então, nos coloca em um casamento de alto luxo, na beira da praia. Em seu primeiro longa-metragem (inclusive vencendo o Independent Spirit na categoria), ele não perde tempo, já nos entrega uma obra de arestas aparadas. Nyles (Samberg) é um convidado agregado, o eterno (literalmente) “namorado de Misty” (vivida por Meredith Hagner). Sua movimentação soa estranha, ele parece ter algum poder que o faz antecipar o que acontece.
Desta forma, o protagonista rouba a cena do evento, com uma mistura de subversão e graça. Ele se aproxima de Sarah (Cristin Milioti, o rosto por trás do desastre que foi o final de “How I Met Your Mother“), uma das madrinhas que se mostra totalmente vulnerável. O romance é interrompido quando Roy (J.K. Simmons) aparece com um arco e algumas flechas na tentativa de matar Nyles. Ao fugir para uma gruta, que emite uma forte luz, a mulher o acompanha na fuga e acaba se tornando alguém igual a ele: vítima de mais um Dia da Marmota. O conceito, popularizado por “Feitiço do Tempo” (1993), segue sendo um mote que o cinema norte-americano adora. Na época, a Academia não reconheceu esse potencial de impacto cultural, mas o BAFTA o concedeu o prêmio de roteiro original (o Oscar deu a “O Piano“, mas tinha vaga para Harold Ramis, que viu uma comédia bem menos inesquecível, “Dave – Presidente por um Dia“, ser nomeada, por exemplo).
Desde então, o loop temporal segue fazendo sucesso. Começou com “Meia-Noite e Um“, lançado também em 1993 e para mim um clássico esquecido. Adaptação de um conto de Richard Lupoff quase gerou um processo de plágio em cima da produção do filme de Murray. Seguiu até fazer a Blumhouse se encher de dinheiro com os dois filmes de “A Morte te Dá Parabéns” (2017 e 2019). Esse ano mesmo, na categoria de curta-metragem, a Academia indicou “Dois Estranhos“, obra que vem causado uma cisão de opiniões. Mas, por que “Palm Springs” ganhou tanta força? O que há de novo a ser explorado?
A resposta é que não há nada de novo a ser explorado. Exceto, talvez, a abordagem da parte inicial da história, que – tal qual o seriado “Lost” – nos enrola para mostrar que o que suspeitávamos era aquilo mesmo. Quando Nyles fala das possibilidades de tal situação acontecer em algum dos “diversos mundos”, há certo diálogo com a base de ficção científica do próprio conto de Lupoff. Mas, de forma acertada, o roteiro de Andy Siara (também estreante) usa o humor como foco de todas as representações. Ao não se podar por conta de arcos edificantes ou mensagens a serem enviadas de forma forçada, o longa-metragem acaba fazendo tudo isso sem perder o ritmo.
Há um componente de identificação, por mais que soe exagerado insistir nesse tópico com mais de um ano de isolamento social. Mas, não podemos negar que, para boa parte dos espectadores, a sensação de viver o mesmo dia repetidamente há meses está bem próxima da realidade. Isso acaba contribuindo para as relações ali desenvolvidas, para as leituras possíveis, quase como uma vulnerabilidade do próprio público. Vivemos nossos pequenos apocalipses cotidianos e, mesmo não sendo pensado para nos atingir, algumas abordagens funcionam muito bem. Uma delas é a que envolve a ética aplicada à situação, principalmente quando Sarah, bem menos disposta a se conformar com a situação, começa a agir (nas palavras de Nyles) como uma terrorista.
Já Roy, que surge sempre para se vingar do protagonista que o levou ao looping eterno, amadurece e nos traz a ideia de que qualquer dia de nossa vida pode ser bom ou ruim, dependendo em parte de nosso comportamento. Já Samberg, da forma debochada como ele construiu seu Jake Peralta, repete o bom trabalho de sempre, encontra o tom para ser sensível quando necessário. Por trás daquele cara que se vê condenado a ser o “namorado de Misty” por toda a vida, há alguém que foge da realidade. Encontra a forma ideal para se adaptar e criar uma zona de conforto imutável. E que, como não poderia deixar se acontecer em Hollywood, terá suas estruturas abaladas com a chegada do amor.
“Palm Springs” acerta muito ao assumir que é repetitivo enquanto proposta e obra. Aposta no carisma de um ator que se acha no papel. Não almeja ir além da diversão e do humor tradicional de sempre. Faz sucesso porque encontra uma realidade em que todos nós estamos. Com medo de verificar o que se passa no mundo real, quando o Dia da Marmota de quem tem esse privilégio acabar.
Veja o Trailer: