Sinopse: Um circo mambembe apresenta “A paixão de Cristo”. Zé e Lula, que fazem o papel de Cristo e São Pedro, fogem com o dinheiro do “apurado”. A partir daí, passam a ser perseguidos pelo diretor Biu, o Judas, e sua trupe. Na viagem da caatinga ao litoral, situações tragicômicas e surrealistas entre a realidade e a ficção são vivenciadas, revelando os valores do Nordeste arcaico e daquele em plena globalização. No litoral, em grand finale, o destino implacável prepara surpresas aos protagonistas e aos seus perseguidores.”
Direção: Vania Perazzo Barbosa e Ivan Hlebarov
Título Original: Por 30 Dinheiros (2005)
Gênero: Comédia Dramática
Duração: 1h 45min
País: Brasil
Arte Indestrutível
Se é comum hoje em dia parte das conversas em festivais e entrevistas de lançamentos de filmes brasileiros tratar do lento processo entre a “ideia” (e suas mais diversas concepções) e entrega daquela produção ao público, imagina há duas décadas. Não apenas pela burocracia ou concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo, mas pelas dificuldades de comunicação e até mesmo por vivermos uma era digital ainda embrionária. “Por 30 Dinheiros“, entretanto, é uma obra que tem fato gerador bem anterior à ideia da cineasta Vania Perazzo Barbosa – o filme é, de certa forma, expressão de sua própria existência.
Um dos grandes momentos da 15ª edição do Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro foi a exibição do longa-metragem, em homenagem à diretora. Ela, que teve vida acadêmica vinculada à agronomia, nunca esqueceu um dos seus primeiros amores: o cinema. Nas referências das sessões de sua infância, a primeira ficção da sua carreira (após uma série de cinco documentários) usaria referências de narrativa clássica, da linguagem de um audiovisual cada vez mais difícil de encontrar. É curioso assistir à produção porque ele bebe na fonte de uma cinematografia nacional que teve seu auge nos anos 1950 e início dos 1960 – mas sendo mais justa com algumas representações.
“Por 30 Dinheiros” conta a história de dois artistas de circo que, após encenar a Paixão de Cristo, fogem com o dinheiro arrecadado e se embrenham no sertão da Paraíba em constantes fugas, na tentativa de chegar ao litoral. Uma comédia no melhor estilo joie de vivre, que comungava com o auge desse tipo de abordagem na Era da Retomada. Em 2000, sucessos de bilheteria como “O Auto da Compadecida” e “Eu Tu Eles” trariam esse regionalismo para os grandes centros urbanos, ainda que tomado por certo exotismo de uma produção mainstream brasileira. Em 2003, já com menos fôlego, “Deus é Brasileiro” adicionava o elemento do divino em uma lógica de fuleragem.
Tirando o mergulho pela adaptação da obra-prima de Ariano Suassuna, os outros exemplos estão mais próximos do cinema que se fazia na Era dos Estúdios, que usavam grandes atores para dar leituras de territórios brasileiros menos retratados. A experiência deu certo (em um alvorada bem mais crítica, pronta para receber o Cinema Novo, “O Pagador de Promessas” foi o grande vencedor do Festival de Cannes de 1962). Todavia, chama a atenção como, logo ali do lado, vizinho na linha temporal deste processo de busca por representatividade do início dos anos 2000, o longa-metragem de Perazzo atinge esse regionalismo não apenas em conteúdo, mas também em forma. Isso se reflete diretamente nas cenas que denotam a auto organização daquele povo, que nunca presenciou o Estado como garantidor de seus direitos e terceiriza seus anseios exclusivamente à fé – e aos possíveis representantes que surgem como salvadores da pátria. Um coronelismo que inicia um processo de modernização.
Ao mesmo tempo, é uma ode ao burlesco, ao humor teatral, fazeres que nos remetem às artes cênicas. Não chega a ser tão referencial à comédia dell’arte quando “A Viagem do Capitão Tornado” (1990) de Ettore Scola, por exemplo, mas encontra elementos que dialogam – como bem faz o cinema desde Chaplin. Se insere em dois grandes arcos narrativos que tantas obras espetaculares nos entregaram. A primeira fica por conta das aventuras daqueles forasteiros, que vivem novas histórias, conectadas com uma irreverência típica da criatividade brasileira. A segunda é a projeção de um misticismo sobre eles, uma busca pelo “milagreiro” que chega (ou retorna) para aquele território – quase como um Roque Santeiro. Isso impacta diretamente nas dinâmicas de poder entre aquelas pessoas.
Ou seja, “Por 30 Dinheiros” tem a estética do sertão pelo ponto de vida do sofrimento e da dureza, mas também daquele que resolve com humor suas questões. Porém, longe de trazer um ar de exotismo a essa narrativa. A diretora segue como professora da Universidade Federal da Paraíba (UFBA) e, quinze anos depois, encontra uma produção audiovisual – identificada um pouco no Fest Aruanda – que encontra esse equilíbrio entre representação e representatividade. Na gênese deste processo de grupos que contam suas próprias histórias, Vania Perazzo Barbosa, sem dúvida, terá um lugar de destaque.
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