Sinopse: Novembro de 2019: depois de seis meses de protestos nas ruas contra novas leis restritivas de liberdades, estudantes de Hong Kong ocupam a universidade politécnica. Durante quatorze dias, vivem ali cercados e isolados pela polícia, no que aos poucos vai quase se transformando em uma prisão. “Por Trás da Muralha de Tijolos Vermelhos” é realizado por cineastas que não se identificam individualmente, focado num grupo de personagens onde o coletivo fala mais alto, numa história que se constrói enquanto é vivida. O cinema como necessidade absoluta de expressão e registro do seu tempo, exibido em todas as suas contradições e incertezas.
Direção: Hong Kong Documentary Filmmaker
Título Original: 理大圍城 (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 28min
País: Hong Kong
Tentando Enxergar Em Volta da Muralha
Em exibição especial na programação do 10º Olhar de Cinema, o documentário “Por Trás da Muralha de Tijolos Vermelhos” traz o olhar da juventude de Hong Kong, território autônomo da China, que nos últimos anos realiza protestos para ampliar a participação democrática da população. Com medo de perseguições e represálias do governo, o coletivo responsável pela obra se mantém anônimo. Até por isso, a conversa sobre o longa-metragem no canal oficial do festival no YouTube é realizada por dois representantes da equipe curatorial, Eduardo Valente e Leonardo Bomfim.
Apesar de todas as ferramentas audiovisuais modernas comungarem com o senso de urgência, emulando o que seria uma produção de mídia alternativa, o resultado final é diferente do curta-metragem “Do Not Split” (2020). Enquanto o filme indicado ao Oscar – e responsável para que a cerimônia fosse parcialmente censurada em território chinês – traça um panorama mais inteligível, ao mesmo tempo que usa a estética caótica da perseguição dos fatos, aqui há um toque mais profissional na captação, porém é pouco assertivo no que se pretende.
De início, parecia que assistiríamos uma versão estendida das representações da onda de manifestações iniciada em junho de 2019 – e esse arco inicial é o mais interessante. Por mais que a contextualização (sempre necessária) ocupe a tela, o centro urbano como personagem e elementos revolucionários devidamente cooptados por uma insurgência capitalista chamam a atenção. Aqui, entretanto, parece existir uma preocupação em se delimitar a temática, não se articula a demanda sufragista daquelas pessoas com o que circunda aquela sociedade.
Algo que “Do Not Split” faz, sem medo da receptividade. Inclusive, em nossa crítica sobre ele, registramos uma cena que soa inimaginável em um protesto de esquerda – ou progressista – na América Latina. Acontece quando há uma insurgência dentro um shopping – que em qualquer lugar do mundo é preparado para segregar e discriminar, como falamos no texto sobre “Rolê – Histórias dos Rolezinhos” (2021), também exibido no Olhar de Cinema deste ano. Ainda soa estranho essa inversão que coloca valores e métodos tão caros a um grupo marginalizado em pessoas que lutam por consolidar um status quo opressor, mas, a contraposição de valores é algo comum em qualquer dinâmica social de conflito.
Veja o Trailer:
Essa cooptação, como não é tão bem desenvolvida porque “Por Trás da Muralha de Tijolos Vermelhos” não decide se quer ser observatório ou equilibrar seus discursos, o que limita qualquer projeção ou análise em outro contexto por parte do público. Há uma compreensão sobre o fato: a de que o campus de uma Universidade, a Politécnica de Hong Kong (PolyU) foi invadido e ocupado por protestantes que demandam maior influência nos desdobramentos políticos do local onde vivem, principalmente pela eleição direta de representantes.
O medo das forças policiais é relembrado a cada instante, mas a parte final, que nos aproxima de um processo de negociação, não difere muito de qualquer evento desta natureza do mundo. Gritos de ordem tradicionais vinculam esse levante capitalista às práticas do Vem Pra Rua, que sugou uma ala consumista e individualista da sociedade brasileira para criar monstros ainda maiores, que estão por aí em cargos importantes, garantindo a manutenção de seus privilégios.
Até a histeria com a aproximação dos agentes da lei lembra manifestantes da direita sul-americana. Aqueles formados por cidadãos que pedem um “novo AI-5” e ficam enlouquecidos quando algum policial arranca um cartaz com frases de apologia a crimes ou discurso de ódio. Pregam liberdade de expressão para inovar nas táticas fascistas, mas aparentam um medo mortal sob o risco de prisão.
A forma como “Por Trás da Muralha de Tijolos Vermelhos” se projeta é diferente das produções de guerrilha que usa as novas tecnologias, chega a ser até estilizado em alguns pontos. E, enquanto produtor de discurso, é quase tão covarde quanto as pessoas que por ali circulam, já que não convence nenhum dos lados de suas intenções – sem que se conheça o que está por trás da luta sufragista. Porém, se essa covardia que traz incompletude é uma tática ou o único meio de sobrevivência, é difícil dizer.
Assista à conversa entre Eduardo Valente e Leonardo Bomfim sobre “Por Trás da Muralha de Tijolos Vermelhos”: