Portuñol

Portuñol

Sinopse: A língua que nasce da intersecção de culturas, é pretexto para falar da gênese da América Latina. Um filme de estrada que no trajeto não busca uma resposta, mas sim romper todas as possíveis certezas do que significa existir nas bordas de definições culturais.
Direção: Thais Fernandes
Título Original: Portuñol (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 10min
País: Brasil

Portuñol

Hablamos Todos

No documentário de relatos “Portuñol“, a diretora Thais Fernandes visita algumas das fronteiras do Brasil para tentar materializar o conceito de idioma popularizado em uma expressão que – por trás de uma crítica a quem se arrisca a comunicar-se – mostra uma carência que torna mais difícil nossa integração com outras nações da América Latina. Distribuído pela Lança Filmes, cada vez mais consolidada no eixo Sul do país, o longa-metragem tem a curiosidade de necessitar de legendas em todos os idiomas – e, de forma inteligente, apenas conduz o espectador – refletindo literalmente o que foi dito.

Não há como traduzir as formas de se relacionarem em uma fronteira. A caraterística de sermos bilíngues, tão valorizada em outro pontos do planeta, ali está incrustrado na sociedade. O filme passa por Puerto Quijarro (Bolívia), onde a feira livre de Corumbá é um ponto de encontro. Local em que a quebra da barreira linguística se desfaz pela necessidade de consumir, pela dependência que temos uns dos outros no sistema do território onde estamos. Romantizado quando acontece em viagens turísticas, aqui é mais uma dificuldade enfrentada por nossos vizinhos latinos. Mais adiante, quando somos apresentados ao projeto da UNILA (Universidade Federal de Integração da América Latina), que tenta aumentar a integração entre os povos, brasileiros mais jovens admitem que há muita vontade e proatitvidade de paraguaios e argentinos na tríplice fronteira para se comunicar em português – e a recíproca não é verdadeira.

Portuñol” traz um pouco do reflexo do imperialismo brasileiro na região – que não faz nenhum sentido na questão idiomática por sermos o único país que tem uma língua oficial diferente. Como já tratado em outras obras, o rap acaba sendo um ponto de convergência. A cineasta aborda essa questão na cidade de Rivera, fronteira uruguaia. Aqui na Apostila de Cinema falamos sobre essa manifestação cultural que consegue, ao mesmo tempo, ser universalista na forma e extremamente regionalista no conteúdo. Em “Memórias do Oriente” (2018), por exemplo. Já o rap indígena ganha cada vez mais força e em “Retomada“,  texto sobre a participação do Bro MC’s no programa IMS Convida, traçamos um pequeno panorama. Dentro desse ambiente mais progressista e democrático que particularizam o Uruguai como uma pequena ilha cercada de grandes países por todos os lados, o documentário mostra uma casa de acolhimento aos viajantes que chegam ao Brasil por ali e sentem o peso da comunicação exclusiva em português.

Entendemos o espanhol, mas não falamos. Reconhecemos que é uma falha em nossa formação a valorização do inglês, mas seguimos sem fazer nada para mudar. Nessas particularidades de cada região fronteiriça, “Portuñol” nos leva a São Miguel do Iguaçu e a Ponta Porã, onde o guarani é outro idioma de relevância cultural local. Uma zona em que a expressão brasiguaio é usada para caracterizar uma população com uma personalidade tão misturada na comunicação que as crianças entrevistadas – além de falarem três idiomas – admitem que precisam de muita disciplina para segmentar em seu cérebro ser português, espanhol e guarani coisas distintas. Mais a frente uma pesquisadora liberta os jovens dessa ansiedade, até porque muitas palavras são intraduzíveis e devemos valorizar toda a beleza, a força, o conceito, a carga de um verbete. Qualquer tradução empobrece, ainda mais quando desnecessária.

Duas formas de integração chamam a atenção. A primeira é com os uruguaios de Rivera formando um grupo de músicas afro brasileiras e acabar se integrando com nossa cultura por um viés que eles nunca imaginavam. Fernandes enquadra no fundo do carro da banda uma sucursal da Igreja Universal do Rio de Deus, instituição brasileira que estendeu seus tentáculos por fazer a maneira mais mordaz de imperialismo: aplicando o mesmo discurso em diversos idiomas, ultrapassando a barreira linguística sem qualquer apreço pela manifestações tradicionais de determinado povo e território.

A segunda nos traz esperança e vem da base da cultura guarani. Em Ponta Porã, após uma tentativa de apagamento do idioma, algumas escolas passaram a aceitar e integrar crianças que não se comunicam em português – respeitando a individualidade e promovendo o intercâmbio de idiomas. Uma professora admite que, quando ela era jovem, não se permitia falar guarani dentro de casa – era “errado”, prejudicial ao seu futuro. Mas a língua sobreviveu, na oralidade dos povos originários que não se valem dessas divisões entre países porque as almas de seus antepassados estão em todos aqueles lugares. Esperamos, em iniciativas como as apresentadas em “Portuñol“, que o guarani alcance seu devido respeito.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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