O drama “Quanto Vale?” é uma das estreias da semana na Netflix. Leia a crítica.
Sinopse: Em “Quanto Vale?”, após os ataques de 11 de setembro, um advogado enfrenta uma batalha ferrenha para criar um fundo de compensação pelas vidas perdidas. Baseado em fatos reais.
Direção: Sara Colangelo
Título Original: Worth (2021)
Gênero: Drama Histórico
Duração: 1h 58min
País: EUA
Fórmula da Vida
Há uma semana de lembrarmos os vinte anos dos ataques terroristas de 11 de Setembro, chega à Netflix o drama “Quanto Vale?” (exibido no Festival de Sundance de 2020 e engavetado por conta da pandemia), que lida com os aspectos burocráticos e judiciais de uma tragédia. De uma época em que parecíamos mais sensíveis a acontecimentos como a morte de milhares de pessoas a partir de um ato de guerra praticado contra civis, desafiando o maior poderio militar e econômico do planeta. Quando parecia que transformar vidas em números era algo desumano, lá estava o advogado Ken Feinberg (Michael Keaton) para inaugurar a “fase século XXI” do Capitalismo.
As demandas indenizatórias não eram novidade nos Estados Unidos e já era comum escritórios, como o do protagonista, fazer o trabalho de contenção de danos. Porém, com uma legislação mais aberta como é a dos países que praticam a chamada common law e decisões jurisprudenciais ainda novas e pulverizadas pelos Estados, os procedimentos soam como códigos abertos. Porém, com prazos bem definidos, o que limitava aos primeiros dois anos e um mês as negociações prévias que evitariam uma enxurrada de processos milionários contra as empresas aéreas e o governo.
Ken surge em “Quanto Vale?” como uma raposa. Desde o início a diretora Sara Colangelo o apresenta pelo viés do pragmatismo. Lecionando, ele mostra que o princípio ético de não quantificar uma vida pouco vale para o Direito enquanto ciência instrumentalizada. A certeza de que a injustiça ocorre não irá impedir as ações de se movimentarem. No fim, um número deverá ser atingido. E para ser atingido, por que não ser proposto? Quem atua defendendo réus, sobretudo empresas, sabe que uma das funções de advogados em casos assim é servir de para-raios. Muitos querem começar os procedimentos apenas desabafando e jogando na conta de alguém suas dores. Pois é dessa maneira que o personagem de Keaton se vende. Um democrata que aparece de maneira espontânea na defesa de interesses da administração republicana de George W. Bush.
Enquanto boa parte dos familiares vivem entre o luto, o choque e a indignação de não ter – muitos deles – sequer um corpo para enterrar, a equipe de Ken elabora fórmulas para chegar aos tais números. Empresários e ocupantes de cargos de chefia valendo alguns milhões, enquanto um lavador de pratos teria capacidade de gerar para os parentes menos de quinhentos mil dólares. Só que, mesmo entendendo que faz ali o “trabalho sujo”, olhar de frente aquelas pessoas é algo difícil, até mesmo para um profissional experiente. Nisso, surge como contraponto Charles Wolf, que ficou viúvo no tragédia. Um papel muito bem desempenhado por um inspirado Stanley Tucci, que não faço ideia das chances na futura temporada de premiações – mas que merecia ter.
O filme reproduz a estética de dramas que usam as relações jurídicas, políticas e econômicas como um tripé da sociedade norte-americana. Poderíamos citar algumas dezenas de obras que dialogam com essa premissa e também fazem o bom papel de contextualizar historicamente seus argumentos. É um pouco uma produção de nicho, quase impossível de desagradar quem se interessa por narrativas desta natureza, mas que torna difícil furar a bolha porque tem ritmo próprio, linearidade e a busca por representações fiéis dos fatos. Colangelo, em seu terceiro longa-metragem, mostra um olhar acurado e usa as representações cênicas como ferramenta importante da narrativa. Na cena em que conhecemos Charles temos um exemplo. Um homem esvaziando a geladeira com a comida que estragou, mostrando o impacto da perda na sua rotina – e Tucci, mais uma vez, brilhante.
“Quanto Vale?“, entretanto, tem uma escolha acertada pela montagem de Julia Bloch. A cineasta parece entender que a grande mensagem aqui é a de a individualização é fundamental, a última barreira no processo de desumanização o qual estamos vivendo. Faz isso diminuindo ainda mais a intensidade da obra na segunda metade e criando tramas paralelas, para que possamos ouvir algumas dessas histórias. Faz isso sem fugir da linguagem tradicional, flertando pouco com o documental, o que pode torná-lo ainda mais confuso.
No fim, a partir desse entendimento, de que nunca serão somente números, o caso específico encontra a solução menos injusta possível. Um dos legados de uma grande tragédia – em um mundo em que grandes tragédias parecem se suceder.
Veja o Trailer: