Quem Fomos

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45ª Mostra SP LogoSinopse: “Quem Fomos” é uma observação sobre o estado atual do mundo, acompanhada por seis intelectuais e cientistas que refletem a respeito do presente e imaginam possibilidades para o futuro. O documentário acompanha os entrevistados nas profundezas do oceano, no topo do mundo e nos confins do espaço. Juntos, exploram a incrível capacidade da mente humana, uma cúpula econômica mundial, o legado da colonização e os sentimentos de um robô.
Direção: Marc Bauder
Título Original: Wer Wir Waren (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 54min
País: Alemanha

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Cooperação e Sabedoria

Quem Fomos“, documentário alemão dirigido por Marc Bauder e parte da seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra SP, é o tipo de obra que me agrada pessoalmente. Multidisciplinar, panorâmico, buscando várias vozes e representações sobre assuntos socioeconômicos e ambientais que se atravessam, provoca interesse imediato enquanto espectador e crítico que conecta essas temáticas sempre que possível. Todavia, passadas algumas décadas que boa parte das questões ali envolvidas estão presentes na sociedade sem observar tantos reflexos práticos desses discursos, sempre que uma nova produção como essa ganha o mundo eu me pergunto para quem ela é feita.

Talvez seja o momento de admitir que, enquanto público-alvo deste tipo de abordagem, fica a sensação de mais ego massageado do que de provocação ou instigação. Na era da pós-verdade, um filme como este, infelizmente, não chega aos corações e mentes daqueles que precisam promover uma drástica mudança em suas vidas. Pelo contrário, cada vez mais assistimos visões antagônicas (e absurdas) sendo legitimadas por meios e veículos com verniz de realidade.

A proposta de “Quem Fomos” é, claro, muito interessante. Uma lucubração inicial fala da Humanidade como detentora de conhecimento que ultrapassa aquelas passíveis de observação natural. Ao mesmo tempo nos caracteriza como únicos seres que, rompendo com a lógica do criar e destruir com objetivos práticos, também têm a capacidade de se autodestruir. Por mais que tenhamos superados parte de nossos limites, o longa-metragem nos vende como espécie fadada ao fracasso e à extinção por culpa do antropocentrismo insuperável da sociedade.

Como se pudesse mapear um pouco de nós para aqueles que virão, o cineasta reúne algumas vozes para que leituras sobre a Humanidade e nossa relação com o planeta sejam apresentadas. Confronta a exploração espacial, que nos deu informações sobre corpos celestes a milhões de quilômetros de distância com o fato de sabermos muito pouco sobre o que está apenas onze quilômetros abaixo da superfície. Momento em que bonitas imagens do oceano aproximam o documentário de narrativas que usam o mistério e as belezas marinhas como elemento de atratividade. Ao mesmo tempo que nos alerta: estamos destruindo biomas que não conseguimos sequer conhecer.

Quase como se quisesse provar esse ponto, traça o próprio paralelo de uma bióloga com um astronauta, em suas viagens e falas solitárias sobre as maravilhas desses territórios. E é pelo homem do espaço que a destruição da Amazônia ganha especial menção, um avanço que pode ser percebido a olho nu quando a nave sai da estratosfera. Dando voz ao economista Dennis Snower, a cada vez mais utópica ideia de que um pacto de cooperação entre nações é urgente. Percebendo que o nacionalismo é uma resposta direta ao multilateralismo, estamos fadados a criar falsos antagonismos pelo mero cansaço em argumentar qualquer coisa.

E esse cansaço provocado é uma tática para que as ideias mais absurdas se sobreponham. Evitando ser maniqueísta em colocar nas duas pontas de comando de um país Angela Merkel e Jair Bolsonaro, mas estamos entregando nossas esperanças a qualquer um que defenda uma agenda global que une espectros políticos – e afaste aqueles que não comunguem desse entendimento. O problema é quando essa visão destruidora atinge um país do tamanho do Brasil, economicamente estratégico. A tendência é que se aceite, por questão de soberania, a transição para o fundo do poço.

Por mais que sua realização seja anterior à pandemia de covid-19, “Quem Fomos” já antecipa algumas das consequências dos próximos anos. Toda a sabedoria conquistada deverá se operar para uma vida com limitações. Outras doenças virão e nos deixarão em casa, os períodos de estiagem levarão grande parte da população mundial a conviver com racionamento de água e energia; e a ação da Natureza com chuvas, ventos, calor e frio extremo tornará nossa rotina ainda mais difícil. É o preço que pagaremos por não nos integrar ao Meio Ambiente. Afinal, não conseguimos mais nos entender enquanto comunidade nem em uma reunião de condomínio.

Enquanto o negacionismo conquista seus adeptos, representações acadêmicas e religiosas dos continentes africano e asiático vão esfumaçando a visão eurocêntrica que não serve mais às demandas contemporâneas. O documentário vai do Tibete ao Japão, do budismo à inteligência artificial e consegue debater desde a essência do que é ser Humano até meios de nos resignarmos à miserável existência que chamamos de futuro. Pregando para convertidos, massageando o ego daqueles que não conseguem evitar a própria desgraça apenas dizendo “eu já sabia”. Mas, no fundo, uma sessão de um filme como “Quem Fomos” ainda deixa uma ponta de esperança de que uma, pelo menos uma pessoa, chegará ao fim da experiência mais lúcida e disposta para o debate.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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