Quo Vadis, Aida?

Quo Vadis, Aida? Crítica Filme Oscar 2021 Pôster

Sinopse: Aida é tradutora da ONU na pequena cidade de Srebrenica. Quando o Exército sérvio assume o controle da cidade, sua família está entre os milhares de cidadãos que procuram abrigo no acampamento da ONU.
Direção: Jasmila Zbanic
Título Original: Quo Vadis, Aida? (2020)
Gênero: Guerra | Drama Histórico
Duração: 1h 41min
País: Bósnia e Herzegovina | Áustria | Romênia | Holanda | Alemanha | Polônia | França | Noruega | Turquia

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Quanto Vale uma Vida?

Quo Vadis, Aida?” é um filme potente. Com fotografia e câmera incisivas, toma conta do espectador logo na primeira sequência, descendente de um cinema clássico com travellings suaves, montagem precisa e fotografia que explora os campos e os corpos de suas personagens. Apesar da coprodução com mais oito países, o longa-metragem representa a Bósnia e Herzegovina na noite do dia 25 de abril, após obter uma das cinco indicações ao Oscar 2021 de melhor filme internacional. Junto ao favorito “Druk – Mais uma Rodada” também chega forte para a premiação.

A tradutora Aida, interpretada por Jasna Đuričić, mostra sua força ao longo da película. Sua atuação, aliás, é ponto de destaque em um filme que prima pela contenção densa ao invés de efusivas interpretações. São as córneas e as testas franzidas que denunciam a tensão. Em um ambiente de guerra, movimentos bruscos não são bem-vindos. Jasmila Žbanić, diretora e roteirista da obra que, com 46 anos, já guarda uma dezena de filmes em seu currículo, imprime um ritmo próprio que baila perfeitamente com os atores que escolheu.

Não por acaso, “Quo Vadis, Aida?” também concorre ao BAFTA de melhor filme de língua não inglesa e de melhor direção. Sua estreia nos Estados Unidos se deu em março e já acumula uma série de elogios, mas a produção permanece inédita no Brasil.

Assim, junto ao já citado representante da Dinamarca, dirigido por Thomas Vinterberg, talvez seja o filme estrangeiro que consiga combinar melhor ingredientes que os votantes da Academia adoram. Uma certa pungência, mas com os pés no chão. O conflito sérvio como pano de fundo para a aflição da tradutora funciona bem como drama de guerra e apresenta qualidade técnica. Não me arrisco a dizer, no entanto, que ganhará mesmo que me pareça ser um dos melhores do ano.

Os movimentos cada vez mais inquietos de Aida antecipam o conflito inevitável e nos levam a uma espécie de viagem ao purgatório junto a nossa personagem principal. Temendo pelo desfecho da cidade, mas também de sua família, a interprete é aquela que acaba como mediadora de notícias que preferia não portar. Embora umas palavras saiam de sua boca, seu descontentamento aflora em sinais corporais. Poder e medo caminham de lados opostos, entretanto, de mãos dadas. Essa não é, certamente, uma característica específica de momentos de guerra, mas talvez ela se torne mais visível e palpável quando dos conflitos territoriais e ideológicos que já transcenderam nossa capacidade de diálogo.

Nesse sentido, Aida guarda com ela um saber essencial: o de permitir o entendimento entre partes. Ainda assim, ela é apenas uma parte frágil da engrenagem. Tentando manter suas partes como mãe e esposa vivas em um ambiente de borra todas as relações – e ao mesmo tempo as demarca – a protagonista traz para perto de si seus familiares.

Ao nos ofertar olhar a guerra com a partir desses dois prismas, Žbanić nos aproxima de uma realidade que não foi vivida de perto por todos nós – pelo menos não enquanto guerra civil declarada. Somos muitas coisas de mais diversas maneiras diferentes ao mesmo tempo e as tramas paralelas que são experimentadas enquanto o cenário de guerra ainda vive trazem um pouco dessa complexidade humana. Isso, a guerra não apaga. Quando a guerra (seja ela travestida das cores que for) acabar, continuaremos a ser muitos e cheios de conflitos. Temos que conviver com nossas diversas facetas e com múltiplas guerras.

Ao enxerga-las como embates sempre em constante mutação, compreendemos que nossas negociações mais cotidianas podem se transformar em pequenas guerras. E, sempre poderemos estar de um lado ou do outro. Sabemos como gostaríamos de ser tratados quando na posição mais vulnerável. Essa pode ser uma pista de como poderíamos conduzir nossos embates, os gigantescos e os minúsculos, e entender que aprender a sentir a dor dos outros é também aprender a sentir um pouco de nossa própria dor. No final, esse sim dilacerante, a gente descortina a obviedade dona de alguns de nossos medos mais profundos: um corpo não é somente um corpo.

Veja o Trailer:

 

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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