Sinopse: “Retratos de uma Guerra” se passa em 1941, onde uma aspirante a artista e sua família são deportados para a Sibéria em meio ao desmantelamento brutal de Stalin na região do Báltico. Em um lugar aparentemente sem esperança, o amor é o único meio de sobrevivência.
Direção: Marius A. Markevicius
Título Original: Tarp Pilkų Debesų | Ashes in the Snow (2018)
Gênero: Drama | Guerra
Duração: 1h 55min
País: Lituânia
A Arte da Sobrevivência
Chegando esta semana na plataforma de streaming Netflix e adaptando o best seller de Ruta Sepetys, “Retratos de uma Guerra” se tornou o maior sucesso de bilheteria de todos os tempos em seu país de origem, a Lituânia. Construindo um romance de guerra em meio ao período de ocupação soviética iniciado pelas tropas comandadas por Stálin no início da década de 1940, o longa-metragem dirigido por Marius A. Markevicius tinha tudo para cair no óbvio, enquanto resultado de reproduções de uma narrativa que o livro, sem dúvida, replica. Porém, ancorada no bom trabalho de Bel Powley, que dá vida à protagonista Lina, o filme se torna um bom exemplar do gênero.
A adolescente é uma talentosa desenhista, que têm seus sonhos alimentados pelo pai. Ele não apenas o faz com palavras e gestos, como comprar kits de arte e auxiliar na inscrição da jovem em escolas renomadas. Kostas (Sam Hazeldine) tenta levar à filha percepções sobre a função de seu futuro trabalho, sobre a importância das representações e os impactos desses fazeres. Sem muito tempo de tela, no roteiro de Ben York Jones esta demarcação precisa ser sucinta – e acontece em um diálogo à mesa de jantar quando ele fala que “arte é percepção“.
O restante de “Retratos de uma Guerra” nos mostrará uma Lina que forjará seu pensamento e lapidará aquele talento no contexto histórico no qual está inserida. Ela, o irmão e a mãe são levados para uma comunidade na Sibéria, onde são condenados sem acusação e julgamento a mais de vinte anos de trabalhos forçados. O cineasta aplica uma espécie de fórmula em todos os aspectos representativos, da mise-en-scene à condução das atuações. Quer tornar o desenvolvimento da narrativa em uma via crucis estilizada, como boa parte das produções do gênero o fazem há algum tempo.
Entretanto, o amor da protagonista por Andrius (Jonah Hauer-King) parece ocupar menos tempo do que o seria caso esta obra ganhasse forma em outros momentos. O diretor parece entender que o soldado Nikolai (Martin Wallström) parece mais complexo e interessante enquanto personagem. Com ele, um dilema ético sobre os atos e comportamento que as tropas soviéticas lhe exigem. Em contrapartida, o comandante daquele destacamento, em atuação na comunidade siberiana a qual a família é levada, é tomado pela vaidade. E é pelos desenhos de Lina e a sua atravessada percepção de arte que ele faz com que a história ganhe outra forma.
A estilização já mencionada quase põe tudo a perder. Há sequências que se destacam, como naquela em que a protagonista corta uma beterraba em meio à chuva, com forte atuação da fotografia acinzentada de Ramunas Greicius – para que um flashback de um dia de verão na Lituânia aplique bem o contraste para o espectador. Porém, em outras, montagens que exageram no uso da trilha sonora sem que a história avance, como um exercício de um filme que prima pela clareza, não faz muito sentido – um exemplo é no Natal na casa da família. São poucos esses estágios, o que faz com que “Retratos de uma Guerra” encontre uma unidade de estilo convincente.
Claro que, inspirado em um romance gestado com o tino editorial comercial norte-americano, a trajetória de Lina se baseará em alguns ganchos que exigem desapego da razoabilidade por parte do público. Uma delas é a carta-resposta que ela se nega a abrir (e não se perde, não é rasgada pelos oficiais, não molha, não mata as pessoas em volta de curiosidade…) – esperando o reencontro com o pai. É o toque de fantasia para trazer esperança a um cenário de horror que só a guerra e suas consequências, como a fome, concentram.
Há momentos inspirados no trabalho de Markevicius, como a bonita composição cênica com uma mesa, duas cadeiras separadas por uma janela – na cena em que o comandante exige que a personagem o desenhe. Outra é quando o cineasta justifica o título da obra (ashes in the snow, ou cinzas na neve), ao mostrar os soldados destruindo o trabalho da jovem. Por sinal, o nome original do livro, “A Vida em Tons de Cinza“, foi abandonado pelo estúdio porque temiam que, no mercado internacional, o público vinculasse o filme à franquia “Cinquenta Tons de Cinza“.
Por fim, a mensagem que parte da mãe de Lina, tão cética em relação à função da arte no início da história, aparece com um bom contraponto/complemento aos ensinamentos do pai. De nada vale nossas percepções e representações se deixarmos de lado o que a História – aliada à Arte – pode nos ensinar. O que poderia soar como uma colagem de um drama de guerra feita quase de forma reprodutiva, encontra sua autonomia e alça voo. “Retratos de uma Guerra” deixa um recado sobre a importância de nunca esquecermos dos traumas do passado, sem que soe forçado – ou que tornasse um episódio específico de um conflito como ferramenta de generalização.
Veja o Trailer:
Gostaria de saber qual a música orquestrada com piano quase ao final do filme.