Sinopse: Este documentário parte da descoberta e da restauração de um raro e desconhecido carretel de fotografias reproduzidas de um filme mutoscópio, produzido em 1901, em Londres, sobre Santos-Dumont (1873-1932). A obra aborda aspectos históricos e artísticos dos primórdios do cinema (pré-cinema, cinema de atrações) e do cinema de reapropriação de arquivo (found footage, filme de reciclagem), por meio de entrevistas, documentos, metáforas visuais e da articulação própria de um ensaio poético.
Direção: Carlos Adriano e Bernardo Vorobow
Título Original: Santos Dumont: Pré-Cineasta? (2010)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 03 min
País: Brasil
O que é o Cinema?
A crítica aqui proposta talvez se aproxime mais de um ensaio reflexivo tal qual é “Santos Dumont: Pré-Cineasta?“, documentário de Carlos Adriano e Bernardo Vorobow. O título provocativo, referência descarada a um de nossos maiores filósofos do cinema, André Bazin, também é uma maneira de me colocar na direção daqueles que pensam que, para algumas perguntas – possivelmente a maioria delas – nunca teremos resposta definitiva.
No final do século XIX e no início do século XX pudemos observar (bem, certamente não eu, mas os estudiosos e inventores dessa corrida tecnológica) o surgimento de uma série de aparatos ópticos e de locomoção, como o próprio avião – aparelho o qual também está extremamente ligado às invenções de Dumont. A necessidade por se percorrer cada vez mais rápido os espaços ou, caso não fosse possível, ter acesso a imagens que não poderiam ser vistas de outra maneira, dita um tanto o ritmo da filosofia da Modernidade.
Não pretendo aqui, no entanto, percorrer os caminhos já trilhados por Walter Benjamin, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Giorgio Agamben ou Jacques Derrida, apenas para citar alguns que ,certamente, já o fizeram bem melhor e mais profundamente do que poderia alcançar nesse texto e com minha ainda formação débil. Ainda assim, ao ver “Santos Dumont: Pré-Cineasta?“, foi impossível não ver algumas teorias e noções transitando pela tela (essa pequena, de computador mesmo – e gostaria muito de saber o que alguns deles teriam a dizer sobre isso). Dessa forma, decidi, em espécie de homenagem, elencá-los e conduzir uma leitura do documentário a partir daí.
É preciso dizer que o próprio César Adriano é pesquisador e encontrou o mutoscópio, datado de 1901, entre o acervo de Santos Dumont no Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Com o aparato “em mãos”, em 2004 partiu para escrever sua tese sobre a redescoberta do invento e, posteriormente, produzir “Santos Dumont: Pré-Cineasta?”.
O que se pode esperar e, quiçá seja aí que ele tenha mais a oferecer, é uma reconstrução dos possíveis passos de Dumont e um diálogo com pesquisadores das mais diversas partes do mundo do chamado pré-cinema. Aqui e ali, os diretores inserem imagens poéticas que fragmentam um pouco a narrativa tradicional, mas – como disse- talvez a própria natureza da descoberta peça esses diálogos travados entre os teóricos.
Aqui, me sustentarei na definição de Arlindo Machado que, no livro “Pré-Cinemas e Pós-Cinemas” define todos esses aparatos como o Kineorama, o Panorama, o Udorama, dentre outros, como pré-cinemas. Se não nos interessa para os propósitos dessa crítica definir exatamente como cada um funcionava e as diferenças entre eles, há que se dizer que possuem todavia a ideia incipiente do cinema.
E, o que é o cinema, André Bazin? O que é o cinema?
Ainda nos debatemos sobre o objeto central de nossos estudos e afetos. Quando o cinema começa a ser cinema e quando o deixa de ser? Cinema é Luz? É compartilhamento em uma sala escura de uma narrativa? É a película? É a montagem? O que é o cinema?
Nenhuma dessas questões estão categoricamente definidas (ou seguramente definitivamente). Por vez ou outra, surge um novo conceito, uma nova percepção ou uma nova tecnologia que fomenta mais e mais questões. Que bom, não?
Mas, se podemos dizer que pré-cinema foi /é tudo aquilo que ainda não era/é o cinema, podemos também dizer que Santos Dumont foi um desses pré-cineastas em busca da ilusão do movimento contínuo que viria se sedimentar como experiência pública poucos anos antes com os irmãos Lumière, mas que não se encerra conceitualmente em seu nascimento (nem em sua possível e eminente morte, como defendem alguns teóricos provocativos).
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