Sinopse: Um especialista em segurança e sua família se envolvem em uma rede de segredos e mentiras depois que uma jovem é agredida na pequena cidade onde moram.
Direção: Peter Chelsom
Título Original: Security (2021)
Gênero: Thriller | Drama
Duração: 1h 58min
País: Itália
Alucinações do Passado e do Presente
Por uma coincidência de agendas, na semana em que acontece um festival de cinema italiano com destaques da produção contemporânea do país no Looke, uma das estreias da Netflix também nos transporta para lá. “Segurança“, filmado no bucólico Forte dei Marmi, traz aspectos desta sociedade, em um estilo que dialoga – em parte – com “Fábulas Ruins” (2020), por exemplo. Adaptando o romance do norte-americano Stephen Amidon – que originalmente se passa em Massachusetts e dirigido pelo britânico Peter Chelsom (perdido em comédias românticas do início do século, como “Escrito nas Estrelas” e “Dança Comigo?”), há um toque de intercâmbio cultural por aqui. Isso talvez faça parte do público não comprar tanto a ideia que une o leque de personagens, que flutuam em um desenvolvimento irregular.
O longa-metragem revisita as dinâmicas sociais e os choques geracionais de uma comunidade bem mais estadunidense do que italiana. Parte de relações que se pautam na hipocrisia para abarcar um grande número de questões. Sendo assim, o protagonista Roberto (Marco D’Amore) trabalha em uma empresa de vigilância, monitorando câmeras espalhadas por quase todos os cantos da bonita província. Enfrenta um combo de situações: uma insônia constante, causada pela inversão do relógio biológico, uma campanha para a Prefeitura de sua esposa, pequenas revoltas e transgressões da filha adolescente e uma paixão tórrida pela amante, que também tem um filho na mesma faixa da idade.
Quando uma outra jovem é resgatada com marcas fortes de abuso sexual e violência física – sem ter memórias concretas sobre o fato – ele passa a investigar o ocorrido a partir de suas fontes. Projeta um caso do passado, que envolve o pai desta menina (e que não falaremos muito para não usar de spoilers). Por fim, encontra certa resistência dos representantes da elite local. Parece muita coisa – e é. Nem sempre a obra consegue equilibrar essa amplitude narrativa, em uma difícil transposição de uma criação literária, aparentemente, carregada de densidade.
Isso faz com que “Segurança” não obtenha um envolvimento imediato do espectador. A cada instante um novo personagem ganha forma, suas características e origens precisam ser destrinchadas, fazendo com que o filme se alongue e deixe uma sensação de que não sairemos nunca da parte introdutória. Fizemos o favor de evitar mencionar uma enxurrada de nomes porque a tendência de qualquer abordagem crítica de um longa-metragem como este parece levar a um resumo, dada a quantidade de pontas abertas e possibilidades de leitura.
Acaba se transformando em uma chance lamentavelmente perdida. Ao ser pouco enxuto e inviabilizar uma conexão mais forte, perde-se boa história aqui. Há dois grandes embates éticos que se perdem porque o cineasta insiste em manter uma grande quantidade de tramas paralelas, que ficam se sobrepondo. A primeira envolve o protagonista. Roberto vive uma crise de meia-idade que lhe faz mal e que provoca o mal das pessoas próximas. Começa sua trajetória pensando se deve ou não rastrear o celular da filha, em um expediente que tolhe a liberdade dos adolescentes. Termina alucinando pela falta de sono. No meio do caminho, ele reflete sobre o passado e como lidou com certas questões envolvendo sua família.
O outro embate ético diz respeito à Maria Spezi, a vítima que dá início a “Segurança”. Ela aparece aqui enquanto agente passiva e o seu acolhimento e forma de não deslegitimar o crime sexual por ela sofrido já seria o suficiente para manter o thriller em alta carga sem perda dramática. Por óbvio que o fato envolvendo ela se cruzará com o destino de Roberto, mas com muitas questões paralelas no processo. Todas elas interessantes, mas que não se desenvolvem com tanta força. A plataforma de governo de uma futura Prefeita que promove a xenofobia é um exemplo – e que nos fez lembrar de “Doce Entardecer na Toscana” (2018), outra obra ambientada na mesma região da Itália e que usa a questão migratória como mote.
Perdido em um quebra-cabeça social e outro persecutório, a partir das imagens de câmeras de vigilância, essas abordagens ficam perdidas. Perdemos também o tempo de ação, baseada nas incompletudes dos ângulos o qual Roberto têm acesso e o medo dele acabar incriminando uma pessoa querida. Enquanto piloto de uma série, “Segurança” seria instigante e criaria um leque de possibilidades capaz de nos manter presos no sofá. Enquanto filme, aposta tudo em uma parte final muito forte e ainda mais reveladora. Ela funciona, há uma reflexão envolvendo as consequências de resoluções ruins de casos do passado – principalmente envolvendo crianças. Porém, talvez se apresente tarde demais para criar o sobressalto que Peter Chelsom imaginou que seria capaz de obter com a obra.
Veja o Trailer:
Muito bom!