Cidade de Gelo

Cidade de Gelo Filme Netflix Crítica Pôster

Sinopse: Em “Cidade de Gelo”, na gelada São Petersburgo, um ladrãozinho barato conquista o coração da filha de um aristocrata, mas esse romance não vai ser nada fácil.
Direção: Mikhail Lokshin
Título Original: Серебряные коньки (2020)
Gênero: Aventura | Drama | Romance
Duração: 2h 18min
País: Rússia

Cidade de Gelo Filme Netflix Crítica Imagem

Aristocracia Socializada

Os menos de 20 graus na madrugada do Rio de Janeiro faz qualquer carioca se sentir ambientado em uma sessão de “Cidade de Gelo“, caprichada produção russa que chegou esta semana no catálogo da plataforma de streaming Netflix. Suas quase duas horas e meia podem se colocar enquanto obstáculo para o espectador cansado de filmes que exageram em uma construção narrativa de ritmo irregular e confusa como “O Diabo de Cada Dia” (2020) – ou no turbilhão de cortes em uma montagem frenética como “Army of the Dead” (2021). O longa-metragem dirigido pelo estreante Michael Lockshin, contudo, não é nada disso. Pelo contrário, sua fluidez é uma de suas qualidades.

Pensado como uma obra “para a família”, o texto de Roman Kantor revisita as clássicas dinâmicas entre princesa e plebeu. Alice (Sonya Priss) é uma jovem representante da aristocracia do país, que recebe lições de etiqueta e como ser uma boa esposa (e quanto a isso já tripudiamos o suficiente desta leitura envelhecida na crítica do novo lançamento de Juliette Binoche). Porém, seu interesse por Química e o sonho de obter uma educação formal em nível superior – algo nunca obtido por uma mulher na Rússia até então – a coloca em conflito com sua família que, claro, está mexendo os pauzinhos para conseguir um casamento para a filha que engordará ainda mais os cofres da sempre vagabunda nobreza.

Já Alex (Yuriy Borisov) é um proletário que acaba de perder o emprego como entregador de tortas em uma loja chique. Seu pai, que trabalha acendendo os lampiões de rua, está com tuberculose em fase avançada e não há recursos para tentar curá-lo. Com isso, ele acaba se envolvendo em uma gangue de jovens que praticam pequenos furtos usando sua destreza e seus patins de gelo, pegando carteiras e todo o tipo de bens dos bolsos dos ricaços preocupados bem menos alertas.

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Cidade de Gelo” nos coloca em um momento-chave da História. Não apenas pela virada cabalística do ano de 1900, mas também na beira de grandes transformações da sociedade. Uma delas envolve a popularização da energia elétrica, que faria com que as cidades ganhassem novas dinâmicas. Outra é o alcance no setor popular daquela comunidade das ideias socialistas. Uma aristocracia decadente e uma ascensão burguesa complicada, que teriam implicações que perdurariam por todo o século XX. Encontra espaço para debates curiosos, como o que envolve a troca do sabre por cassetetes por parte da polícia de São Petersburgo – algo que poderia estimular a insurgência de quem sabe que a autoridade não terá mais posse de uma arma letal.

Esse pano de fundo dá ainda mais força a uma obra que acerta em quase todas as ferramentas que utiliza para se desenvolver. Uma montagem ágil e um ritmo regular tiram a sensação de pesadas duas horas e meia. Já o uso da CGI é bem menos agressivo do que a média, fazendo que com que o design de produção se misture bem com o ótimo figurino e o uso de cenários reais envolvendo o passado glorioso da nobreza russa.

Elementos que tornam as questões que aparecem a partir das tramas envolvendo os dois núcleos dos protagonistas bem embasadas. Tanto na relação de um justiçamento econômico por parte dos jovens – que se unem em um “Peaky Blinders” russo em um embrião comunista – até o avanço demarcado por uma mulher que sabe que algumas limitações de suas escolhas enquanto indivíduo se voltam contra a própria comunidade, que pode encontrar na ciência uma forma de melhorar suas vidas e aquele território.

Não espere do filme o brilhantismo de “Malmkrog” (2019) ou produções que transportam essa carga política e filosófica da arte do país para as telas. É uma aventura voltada ao público jovem, que usa a dignidade laboral ou o empoderamento feminino de forma residual. Mesmo assim, ganha pontos também por não se valer de dramas e romances forçados, querendo arrebatar o público a qualquer preço. Há uma fluidez, até na integração de Alice com um grupo de classe social diferente da dela sem a tradicional glamourização. Isso faz com que o antagonismo também não seja forçado.

Mesmo diante de dinâmicas sociais que se esgotam em poucos dias, em relacionamentos típicos de “Cinderela” ou “Romeu e Julieta”, não fica o gosto de uma magia de amor vazio e inocente. É possível que o filme tenha se beneficiado das raras noites no conforto de um edredom carioca, que precisa de um dia de sol para perder o cheiro de guardado. Ou na ideia de uma articulação e conciliação de classes que traga benefícios a todos os envolvidos – um expediente que senhores barbudos costumam utilizar de vez em quando. Para uma noite gelada em uma casa carente por vacinas, “Cidade do Gelo” caiu como uma luva – uma meia e um cachecol.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

1 Comment

  1. gostei do cenário urbano de esqui na neve, mostrando seu uso como condução pela cidade. Deu uma leveza e uma sensação deliciosa de l8berdade.

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