Sob Total Controle

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Sinopse: “Sob Total Controle” é um exame aprofundado da forma como o governo Trump respondeu ao surto da Covid-19 nos primeiros meses da pandemia – também os últimos antes da eleição presidencial no país, de outubro de 2020. Uma investigação a quente de uma história que ainda está sendo escrita: no arco de tempo coberto pelo filme, 7 milhões de americanos haviam contraído o vírus. Desde então, o número de infecções no país subiu para 29 milhões.
Direção: Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger
Título Original: Totally Under Control (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 2h 3min
País: EUA

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Fazer o que Deve Ser Feito

Talvez o espectador que separou o sábado à noite para assistir uma exibição do Festival É Tudo Verdade 2021 com o objetivo de esquecer os problemas (ou, pelo menos, se envolver com outros, de nações mais distantes) tenha desabado de vez com “Sob Total Controle“. Dirigido pelo trio Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger o filme acompanha, tal qual uma minuciosa reportagem, as providências que Estados Unidos e Coreia do Sul tomaram assim que casos de covid-19 por lá chegaram.

Esta não é a primeira obra com essa proposta. Ainda em 2020, na cobertura da Mostra SP, acompanhamos o trabalho à distância de Ai Wei Wei e relatos do que o governo chinês fez em Wuhan, o primeiro epicentro da pandemia. “Coronation” era a pura captação da urgência, com imagens e relatos do gigantesco hospital de campanha montado pelas autoridades para conter o avanço da doença.

Passado mais de um ano, o Ocidente, inquestionavelmente, falhou neste combate. Em especial destaque os Estados Unidos de Donald Trump (que a lata de lixo da História o tenha e conserve) e o Brasil do seu fã número um. Como a análise do longa-metragem sofre um duro abalo da data de sua realização, desenvolver qualquer paralelo com nosso país talvez fosse perda de tempo. Todavia, é impossível chegar ao final da sessão menos abalado, triste, indignado ou (insira o que você está sentindo aqui).

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Deveria soar datada a maneira ineficiente com a qual o governo norte-americano tratou a pandemia. “Sob Total Controle” não consegue, em sua parcela denuncista, sacramentar a forma proposital pela qual Trump e seus encarregados agiu. É provável que a morte como política de Estado – aplicada aqui e lá – nunca deixe rastros. Se deixarem, somente com a queda de documentos sigilosos dos governos daqui há alguns ano que nós descobriremos. A carteira de vacinação de Jair Bolsonaro só quem viver mais cem anos saberá.

Não há como fugir do didatismo no documentário. Ele se apresenta como uma cronologia dos primeiros meses de 2020, quando todas as ferramentas tecnológicas se tornaram inúteis em uma nação comandada por alguém que aposta na desinformação – mesmo com a experiência do passado e a pandemia de influenza há pouco mais de cem anos amplamente documentada. Como único pilar de sustentação de seu governo, Trump fez um all-in na estabilidade econômica dos Estados Unidos. O coronavírus, então, era um inimigo muito mais poderoso do que Joe Biden. Ele subestimou a pandemia, acreditava que as milhares de mortes previstas e evitáveis seriam compensadas caso o país se mantivesse forte financeiramente. Não ouviu a ciência e perdeu.

Um dos personagens mais interessantes da TV nos últimos anos, sem dúvida é o Chuck McGill que o ator Michael McKean interpreta na série “Better Call Saul“. O irmão de Jimmy – parte importante da sua motivação para se tornar um advogdo pilantra – é a forma mais caricata de adeptos de teorias da conspiração envolvendo tecnologia, pesquisas e mídia oficial. Viver em um mundo onde um Chuck McGill chega ao poder – eleito por milhões de pessoas – é uma das grandes angústias dos nossos tempos. Assistir “Sob Total Controle” e imaginar que ele será lido como um “lado” dos acontecimentos recentes do mundo talvez amplie a ansiedade que nos acompanha na sessão.

Falar dele de forma sucinta é manter preso na garganta toda a indignação que está engasgada. Começa com a aposta no livre mercado. Lembra que os fabricante de vacina deveriam procurar o Brasil para vender a esse grande mercado consumidor? Cópia dos “erros” de Trump, que não conseguiu nas primeiras semanas do avanço da pandemia garantir equipamento de proteção aos médicos e enfermeiros do país com simples decisões intervencionistas. Sabe quando não sabíamos ao certo quantas pessoas tinham sido infectadas pela ausência de testes? Mais uma importação da política trumpista. E a estratégia de culpar as esferas municipais e estaduais de governo depois que o caldo entornou? O Agente Laranja patrocinou isso antes. Hidroxicloroquina ganhando força a partir de empresários e mídia alinhada com o comandante do país? Estão lá Elon Musk e a Fox News – e conheça o famoso Vladimir Zelenko, pedra fundamental desse delírio.

Ainda que um registro embrionário de um tempo que não passou, parte do material mais jornalístico do documentário deve ser revisitado sempre que possível. A historiografia de outros vírus e suas variantes pelos especialistas que atuavam na época do governo Obama é uma delas. Outras pontas, mais dramáticas, são deixadas de lado pelos cineastas. Reflexo de um acontecimento que alterou todas as dinâmicas da sociedade. Vivemos uma era em que usar uma máscara para proteger a si e sua família virou um ato político. Boa parte dessas movimentações aconteceram antes mesmo do Brasil identificar a doença. Mas, se pensarmos na chance de salvar mais vidas pelo fato do coronavírus ter chegado depois por aqui, não terminaríamos nunca esse lamento.

A Coreia do Sul acaba ganhando pouco tempo de tela porque não há nada que supere a narrativa da América. Depois que o governo de lá foi duramente criticado pelas 36 mortes causada pelo MERS em 2015, eles viveram para esperar o dia que um novo vírus chegasse para abalar seu território.

Se algo em “Sob Total Controle” soar novidade para você, se preocupe. Você pode estar menos consciente sobre a realidade do que imagina. Esse não é o filme que gostaríamos de ver em 2021, mas é o único que não deveria deixar de ser feito.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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