Sinopse: Sylwia é uma digital influencer com milhares de seguidores, ávidos por suas dicas sobre exercícios físicos e um estilo de vida fitness. Apesar de tantos admiradores, conhecidos e funcionários fiéis, ela procura uma relação de intimidade verdadeira e que tenha algum significado com alguém. Durante os três dias em que acompanhamos a rotina de Sylwia, a narrativa de “Suor” se pergunta como é a vida dos digital influencers quando o celular está desligado, observando seu tédio e solidão.
Direção: Magnus von Horn
Título Original: Sweat (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 40min
País: Polônia | Suécia
Sorria, Você Está Sendo Obrigado
“Suor“, produção polonesa dirigida por Magnus von Horn é parte integrante da Competição Novos Diretores da 44ª Mostra SP. Uma obra que aplica o modus operandi da sociedade globalizada que deixou de se pautar nas faces cosmopolitas das grandes cidades e transformou cada indivíduo em sue próprio senhor do tempo e do espaço.
Não que Sylwia (Magdalena Kolesnik) esteja fora de uma metrópole. Moradora de um grande centro urbano, ela é uma influenciadora digital fitness que, com uma mistura de carisma, comunicabilidade e discurso motivacional ensaiado, reúne multidões nas telas de seu celulares assistindo suas publicações em redes sociais. Além disso, promove eventos em que os exercícios físicos e a alimentação saudável são vendidos como a salvação de todos nós.
Porém, na intimidade de sua existência, a protagonista passa pelas crises comuns a todos nós – com a diferença de sua potencialização ser proporcional à visibilidade da personagem. Sim, não deixamos de ser cada vez mais personagens e não é porque a ficcionalidade é maneira pela qual von Horn (também responsável pelo roteiro) constrói sua narrativa que o poder de identificação se esvai. Pelo contrário, esteticamente o longa-metragem opta por uma apresentação visual próximo do documental. Com a câmera na mão e movimentações que nos colocam como acompanhante de Sylwia, vamos assistindo a derrocada da idealização de rotina de sucesso daquela mulher.
Em alguns aspectos, “Suor” dialoga muito com o austríaco “O Chão Sob Meus Pés“. Ali, Lola, personagem interpretada por Valerie Pachner, está inserida no mundo corporativo e a Sociedade do Cansaço e suas demandas de prosperidade ao custo da exploração de manifestam de outras formas. Aqui a protagonista de Magnus é um fantoche midiático, porém, refém de suas próprias escolhas. Ou não. Se há algo que o filme nos provoca é o questionamento sobre o quanto do mergulho nessa vida social enviesada é, de fato, uma escolha ou imposição dos novos tempos. Esse texto, por exemplo, se ficar engavetado aqui na Apostila de Cinema – sem reverberação em outras mídias – dependerá de algum seguidor muito engajado para ser lido.
Por sinal, o ponto de virada da obra é um deles, o chamado stalker. Sylwia cruza com um perseguidor e ali entende os perigos da exposição. O diretor faz uma abordagem muito interessante em sua narrativa. Em “Suor”, o mundo de conto de fadas espetacularizado da personagem vai se desmontando aos poucos, mesmo que a grave crise ocorra de imediato. São as consequências do evento que minguam as expectativas da mulher em relação ao futuro do seu empreendimento – no caso, ela mesma.
A sequência em que ela visita a família no aniversário da mãe é fundamental para isso. Representando os constantes julgamentos sobre nossos atos, há naquela situação uma maneira de representar essa exigência angustiante e opressora de criar contrapesos a todas as nossas ações e opiniões. Essa regra de julgamentos, que podem surgir das pessoas mais queridas, gera ainda mais danos. Sufocamentos causados por desautorizações – baseada meramente na desconfiança. Relativizando abusos, estupros, atos racistas e homofóbicos, estamos criando uma sociedade que – já não dada ao diálogo – cada vez mais transforma a todos em palestrantes sem plateia. Até há a plateia – algumas numerosas, como no caso de Sylwia – mas duvidamos que, de fato, ouçam o que está sendo dito.
Na trajetória do filme de von Horn, a queda espiralada da protagonista vai transformando um filme em uma narrativa cada vez mais escura e soturna. Essa melancolia na estética também é um diálogo visual com a obra de Marie Kreutzer, acima citada. Sylwia, tão preocupada com a presença de plásticos em seus recebidinhos, tão sorridentes em seus unboxings, sem verbalizar demonstra ao público que não enxerga mais tanto sentido em representações teatrais da própria vida. Todavia, não apenas a preocupação com nossa imagem está em jogo. A publicização de nosso trabalho (não mais a própria intimidade) virou regra. Não basta ser vegano, defensor do meio ambiente e ter o doguinho tão lindo quanto o do pacote de ração premium. Temos que entregar conteúdo – temos que ser relevante em forma, conteúdo e discurso para os nossos seguimores.
É aqui que o filme de “Suor” coloca a todos nós como reféns. Perpassando por outras importantes questões, como o justiçamento com a projeção de violência em larga escala, a obra vai paulatinamente provocando um afastamento do público. Não pela trama, que – ao contrário – cada vez mais nos envolve. O diretor, na verdade, reveste de frieza as sequências que antecedem o clímax, rasgando a proposta da documentação. É como se tentássemos nos agarrar na ficcionalidade, como se não pudéssemos ser uma Sylwia – ou não conhecêssemos várias. Só que isso não é uma opção. Seguir adiante da mesma forma, se adaptando à Sociedade do Cansaço, é a única alternativa a não ser desistir. E a gente sabe muito bem qual discurso que devemos ter assim que sacarmos mais uma vez nossos telefones.
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