Taguatinga 2020 | Sessão 01 da Mostra Competitiva

Sessão 01 da Mostra Competitiva

Tempo de reformar. Tempo de ocupar. Tempo de defender. A partir dessas premissas o Festival Taguatinga de Cinema 2020 apresenta a Sessão 01 da Mostra Competitiva tendo no tempo sua conexão.

“Na frequência em que vibram os três filmes que abrem o Festival Taguatinga de Cinema 2020 está o convite para pensar o nosso tempo como TEMPO DE REFORMAR o mundo a partir da reforma de nós mesmos(as); um TEMPO DE OCUPAR, com senso de justiça e coragem, espaços ociosos e carentes de criatividade e diversidade; TEMPO DE DEFENDER os territórios tradicionais, santuários da cultura humana historicamente espoliados pelo capital, que não cessa de investir na captura dos corpos, dos desejos e do pensar. Em reforma, Rua Augusta, 1029 e Invasão Espacial são filmes que sensibilizam o nosso olhar para o tempo presente, contando histórias de vidas carregadas de um futuro radioso, pronto para emergir da luta de emancipação e afirmação dos sujeitos.”Adriana Gomes, Nina Rodrigues, Thay Limeira (Curadoras do Festival Taguatinga)


Meu Nome é Le… Bianca

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A Sessão 01 da Mostra Competitiva começa com uma música de Leona. Vocês podem achar que somos obcecados pela figura, de fato, magnética de Leona Vingativa. No entanto, ao começar “Em Reforma” (2019) com uma música dela, a escolha da diretora Diana Coelho, nos faz pensar que é Leona quem nos persegue.

A música, nesse caso, nos serve apenas para apresentar a personagem principal. Uma professora de história que gosta das aulas de dança nas horas vagas. Bianca vê a rotina alterada com a chegada da filha. Com a esperança de que a filha retorne a morar em sua casa, Bianca começa as obras para acomodá-la melhor.

Em reforma, além da casa, estão também Bianca e a filha. A não aceitação da mãe em ver a filha, Camila, alçar voo solo pela vida, deixa também esta em situação incômoda. Como explicar para mãe que “um antigo projeto” é só uma antigo projeto? As expectativas de Bianca também decorrem de sua eminente aposentadoria.

A verdade é que a própria professora já não está mais acostumada ao cotidiano com a filha. Mas é difícil mudar ou aceitar a mudança. A reforma, que não fica pronta, parece um sinal, mas Bianca prefere ignorá-lo.

Algumas obras são internas e algumas decisões estruturais. Para continuar, elas precisam mudar de significado.Depois de um tempo já não há mais como sonhar o passado.


Como Ocupar um Espaço (Sem Função Social)?

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Segundo filme da Sessão 01 da Mostra Competitiva, o documentário de Mirrah Ianez Silva, “Rua Augusta, 1029”, iniciado em 2015, acompanha a ocupação do prédio em questão. O breu inicial dá lugar a pedaços de corpos entre a escuridão e feixes de luz. As ocupações costumam ter táticas e líderes, justamente para que não sejam descobertas. A ideia de uma ocupação em plena movimentada Rua Augusta parece absurda, mas mais absurdo são os prédios vazios que compõe a estrutura urbana de São Paulo em regiões centrais que poderiam abrigar centenas de famílias.

Toda vez que o assunto vem à tona, me lembro do desabamento do Wilson Paes de Almeida, no Centro de São Paulo anos depois da filmagem desse documentário.

Os dois casos separados por alguns anos mostram, no entanto, a prática de desamparo do Estado.

Sem enxergar, a movimentação é confusa e caótica. As famílias persistem, pois essa talvez seja a única maneira de ter um teto naquele momento. É também absurdo pensar que qualquer pessoa gostaria de viver essa situação colocando sua vida e de sua família em risco.

A chegada da polícia só reforça o desemparo. “Não me interessa quantas famílias tem aí“. A culpa, obviamente, não deve recair para o corpo cansado daquele que acredita estar à serviço da ordem. Devemos repensar nosso sistema governamental como um todo.

O caso da Augusta é apenas mais um dos que ocorrem diariamente na gigantesca São Paulo. De invasão em invasão, pessoas sem a possibilidade de pagar um aluguel ou comprar um terreno, vivem com aquilo que as resta: os edifícios abandonados da cidade. O Abril Vermelho, nome que foi dado ao ato de 13 de Abril de 2015, acontece em menor proporção diariamente. A pergunta é: quando essas ocupações poderão deixar de acontecer? Quando os prédios desocupados cederão espaço para famílias sem lar?

É possível que seja pedir demais para um sistema que funciona à base do mercado imobiliário.


Chegada ao Espaço a Partir da Terra

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Em “Invasão Espacial (Invasion from Outer Space)” (2019), Tiago Foresti vai atrás da história de uma pequena cidade que foi modificada pela chegada de empreendedores espaciais. Com a motivação de construir um complexo espacial na cidade, chegaram anunciando mudanças e inovações que, a princípio, pareciam boas para os moradores locais.

No entanto, o que estava por traz das boas novas era a retirada de populações centenárias que viviam da pesca e que se viram sem órbita a partir da invasão.

Sentindo-se enganados, os moradores contam à Tiago como foi a chegada e em qual momento perceberam que a história poderia não terminar tão bem para eles.

A narrativa do diretor que mistura imagens documentais, de ficções científicas e as documentadas na cidade nos faz entrar em um clima de mockumentary.

No entanto, a história, apesar de insólita, parece ser real. Em alguns momentos, parece até que os moradores estão falando de aliens. E, para eles, a sensação pode ter sido efetivamente essa, já que a chegada desses seres estranhos, que não falavam o mesmo idioma, mudou tudo.

Até a maconha entra na história. Entre maconha, carroças e foguetes, ficamos sem saber qual é a relação entre o documental e o ficcional. Tiago estimula ao máximo essa confusão e cria um documentário divertido, porém, sério.

No fim, nos questionamos o que é real em sua obra. As ocupações e explorações das comunidades ribeirinhas, certamente o são. Essas são as únicas que precisamos ter. A Base de Alcântara existe. Ela cresce e continua a expulsar comunidades quilombolas.

A conquista pelo espaço se dá a partir da terra.

Assim, terminamos a Sessão 01 da Mostra Competitiva da 15ª edição do Festival Taguatinga tendo certeza de que entre tempo e espaço ainda há muito a ser trabalhado.


Ficha Técnica da Sessão

Em Reforma (Diana Coelho, 20″ – 2019, Rio Grande do Norte)
Sinopse: Ao receber a notícia de que a filha vem passar uns dias em sua companhia, bianca decide retomar a obra inacabada na laje de sua pequena casa. os planos, contudo, não saem como o esperado.
Rua Augusta, 1029 (Mirrah Ianez Silva, 11″ – 2019, São Paulo)
Sinopse: Em são paulo. Na madrugada de 13 de abril de 2015, 6 mil famílias ocuparam 18 prédios sem função social. o ato, abril vermelho, serviu para atentar o governo sobre a falta de vontade política para sanar os problemas de habitação.
Invasão Espacial (Thiago Foresti, 15″ – 2019, Distrito Federal)
Sinopse: Eles vieram de fora, entraram na cidade e seduziram o povo. tentaram agradar a todos, mas ninguém entendia os seus planos. a comunicação era por acenos e gestos. aos poucos, comunidades centenárias foram retiradas do seu território para dar lugar a planos espaciais. É difícil saber o que é ficção e realidade nessa localidade escondida no interior do brasil. invasão espacial é um drama de realismo mágico absurdo, mas bastante real.


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Apostila Festivais #002: Mostra Paralela e Competitiva – Sessão 01


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Apostila Festivais #002: Mostra Paralela e Competitiva – Sessão 01

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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