Sinopse: Na fronteira tríplice entre Brasil, Colômbia e Peru, as cidades gêmeas Letícia e Tabatinga formam uma ilha urbana cercada pela imensa floresta amazônica. As delimitações territoriais são muitas vezes encobertas pela densa vegetação e as fronteiras se confundem nos corpos e rostos de seus moradores. Terras acompanha o ritmo deste lugar de encontro e passagem, aproximando-se do cotidiano de seus habitantes.
Direção: Maya Da-Rin
Título Original: Terras (2009)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 15min
País: Brasil
Fronteiriços e Frontais
Depois de experiência como assistente de direção em filmes dirigidos pela mãe Sandra Werneck e por Lúcia Murat, a cineasta Maya Da-Rin deu um importante passo em sua carreira independente e de grande liberdade com “Terras“(2009), lançado dois anos depois do média-metragem “Margem“. Seria a última vez em que ela se valeria do sobrenome Werneck nos créditos. Também demoraria dez anos para lançar seu segundo longa-metragem, “A Febre” (2019), vencedor do Festival de Brasília do ano passado e que fez parte da seleção do Festival Espaço Itaú Play, com pré-estreias nacionais e internacionais que tiveram suas chegadas aos cinemas prejudicadas pela atual pandemia.
Desde o primeiro frame Da-Rin nos mostra que é uma realizadora da terra. O chão rachado é a metáfora para uma região muito particular do Brasil – a tríplice fronteira com Peru e Colômbia, entre as cidades de Letícia e Tabatinga. Um local que costumava ganhar as manchetes pelas implicações na rota do narcotráfico – mas que, ao oeste do Estado Amazonas, é mais um território em que os povos originários precisam lutar para perpetuar sua existência.
Podemos imaginar “Terras” como um filme em duas partes e, em cada uma delas, uma viagem. Preocupada em contemplar toda a complexidade local, a diretora se vale do mesmo expediente nas duas oportunidades: aborda a cidade a partir dos carros, aplicando os sons dos rádios dos veículos como norteador urbano. Com isso, ela parece expor ao espectador que o que lhe interessa ali é a passagem, é o atravessar o povoado para adentrar a floresta amazônica. Na segunda metade Da-Rin dá um passo atrás e entende que temos ali mais do que isso. Ela abre mão das vozes, dos depoimentos atravessados da primeira parte e começa a captar mais as imagens.
Essa lógica funciona como efeito comparativo. Até porque, uma vez dentro da floresta, Da-Rin prioriza dar voz aos representantes indígenas. Por óbvio ela usará a poética, como a captação da chuva que agita e muda o cursos dos rios. Ela, experiente na linguagem audiovisual, sabe que precisa entregar alguns elementos para o público que o façam se conectar. Porém, o destaque de “Terras” é justamente as verbalizações dos testemunhos indígenas, com afinado discurso de consciência e um ideal concreto de Povo e sua diferença para Nação.
Com uma abordagem inicial deste peso, as sequências de observação da rotina se tornam mais palatáveis, posto que a parte do público carente de explanações e contextualizações recebeu de sobra todas as informações – tanto na área urbana da fronteira quanto dos moradores da floresta. Até que Da-Rin deixa para a parte final um importante e raro registro de um ritual de ayahuasca, que chegou a mim pela primeira vez em uma das primeiras edições da revista Rolling Stone no Brasil. Deixo aqui a longa reportagem do ano de 2007 sobre o assunto.
Mais de dez anos depois desse desenrolar sobre a ayahuasca em reportagens e obras audiovisuais como “Terras“, talvez muitos questionem a abordagem um pouco atravessada dentro da unidade fílmica. Há uma clara divisão de espaço com muitas questões que vinham sido bem trabalhadas ao longo da obra e que forçam um didatismo justamente em sua conclusão. Mesmo assim, Maya Da-Rin já mostrava uma forte consciência sobre seu trabalho e como queria se valer das imagens. Tanto que usa muito nesse última trecho a frontalidade como representação, a mesma que seria tão importante em diversas sequências de “A Febre”, seu tão premiado trabalho mais recente.