The Humans

The Humans 2021 Filme A24 Crítica Mubi Poster

Leia a crítica de “The Humans”, destaque da MUBI.

Sinopse: Ao longo de uma noite, a família Blake se reúne para o Dia de Ação de Graças no apartamento de Brigid e seu parceiro Richard. Com o desenrolar da noite, as frustrações e inseguranças de cada membro da família são expostas quando duras verdades e segredos há muito escondidos são revelados.
Direção: Stephen Karam
Título Original: The Humans (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 48min
País: EUA

The Humans 2021 Filme A24 Crítica Mubi Imagem

Vidas Projetas e o Império da Consciência

Ao chegar ao final da sessão caseira de “The Humans“, um dos principais lançamentos da MUBI para o mês de agosto de 2022, nosso pensamento nos leva para o futuro da carreira de Stephen Karam no audiovisual. Vencedor do Tony Awards e finalista do Pulitzer pela peça que ele adapta e dirige, o descendente de libaneses de pouco mais de quarenta anos cria uma obra totalmente independente e consciente do poder da imagem. Parece pouco, mas é muito se pensarmos que temos aqui um dramaturgo se lançando no Cinema com um material pelo qual trabalha há quase uma década.

Soma-se o fato de que o longa-metragem é um drama familiar de apartamento. Ou, em ambiente de clausura, na qual o público sabe que haverá uma situação-limite ou uma revelação a ser apresentada. As discussões e os afetos entre parentes, amigos ou conhecidos ali confrontados por conveniência já nos deu grandes filmes como “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” (1966), obras medianas como “Deus da Carnificina” (2011) e propostas difíceis de digerir como o recente “A Última Noite” (2021). Quase sempre a busca pela teatralização que força uma mise-en-scène engessada, na qual não se trabalha o ambiente fechado e a transitoriedade dos personagens como elementos e sim como fatos, trazendo pouca inspiração. As atuações quase sempre inspiradas reforçam a ideia de que transformamos as nossas dinâmicas familiares sazonais, mesmo quando parecem genuínas, em algo teatral. Até porque, quando nos reunimos, estamos em ambiente privado e, ao mesmo tempo, comunitário.

Por isso as escolhas em “The Humans” parecem tão notáveis. Também pode ser também o resultado de uma maratona de mediocridades que os streamings mais populares nos oferece. Fato é que a produção da A24 (com um imenso fã-clube brasileiro, fenômeno a ser estudado no futuro) deve ganhar com folga o título de grande estreia da semana no país. Desde o início, Karam trabalha a favor da imagem. Antes de entrar no apartamento em que Brigid (Beanie Feldstein) e Richard (Steven Yeun) receberão a família dela para a ceia do Dia de Ação de Graças, uma viagem em plano contra zenital contempla a altura e a idade de um prédio típico do centro de Nova Iorque.

A partir desta informação, o choque geracional da moça com seus pais, Erik (Richard Jenkins) e Deirdre (Jayne Houdyshell) pode ser abordado com o peso que merece. Aqueles senhores não compreendem os planos de quem opta por não se estabelecer em Scranton, cidade da Pensilvânia em que eles moram, preferindo alugar – sem dúvida a preços exorbitantes – uma residência caindo aos pedaços, com piso de talco soltando, mofo e infiltração nas paredes – em Manhattan. Mais adiante novas cobranças seguirão o encontro, inclusive a fuga do compromisso social de um matrimônio oficial.

O elenco recheado de rostos conhecidos, talentosos e experientes também conta com Amy Schumer no papel de Aimee, irmã de Brigid que passa por problemas pessoais (se separou da esposa), profissionais (em vias de perder o emprego) e de saúde (precisa tratar um câncer no intestino em estágio embrionário); além de June Squibb que vive Momo, a matriarca da família com demência senil em avanço vertiginoso. A forma como o diretor trabalha as sequências dialoga com o voyeurismo típico de bons dramas desta natureza. Por vezes, coloca a câmera um ou dois cômodos distantes da ação, expediente utilizado desde o brasileiro “Que Horas Ela Volta?” (2015) até o romeno “Malmkrog” (2019).

Além de revelar muito mais do que o espaço cênico de uma narrativa tradicional, o diretor abusa dos planos-detalhe, usa a aproximação e movimentação de câmera com inteligência e demonstra um ótimo conhecimento da nova linguagem que se propôs a criar. A residência na qual o casal começa a se estabelecer é um território ainda desconhecido por eles mesmos. Suas vidas parecem preenchidas de múltiplos vazios, uma sensação ampliada pela abertura dos enquadramentos. Cômodos inteiros sem nada a oferecer a quem está ali são uma constante na tela. Em um deles, um projetor joga para a parede, bem próximo do chão, uma lareira virtual. Resquícios de tradição, de uma teatralização da vida real forjada e que já não cabe na contemporaneidade.

Quando os dois homens conversam sobre os pesadelos confusos e recorrentes, Karam inicia a cena mostrando toda a família em volta da mesa. Aos poucos ele vai movimentando nosso olhar e chegando mais perto de Erik. Ele não vai até o fim e não é ali que ele traz mais informações sobre a realidade do pai de família multiplamente frustrado – por ele, pela esposa, pela sogra e pelas filhas. Porém, nos induz a acompanhar mais de perto as reações fornecidas por Jenkins em mais um ótimo trabalho do ator. É na inafastável sala de jantar que os temas mais espinhosos são tratados em família. Por não ser possível fugir do julgamento do outro, uma pergunta sobre o passado de Richard vira um debate sobre depressão e fé.

Uma montagem de transição, típica do cinema norte-americano, é o momento em que o realizador aposta nos closes, acompanhados da trilha sonora incidental. Mais perto do fim, ele nos joga para o terraço daquele prédio sufocante, que enfim revela a ilha de Manhattan no pôr-do-sol cheio de filtros no anoitecer de Ação de Graças. Um microcosmo tão caótico e claustrofóbico no espaço mais agitado e cosmopolita do planeta. Em meio às múltiplas expressões das imagens, o bom é que não resta tanto espaço para reproduzir a história contada a partir delas. Não há nada mais positivo para um momento tão pouco inspirado do audiovisual norte-americano.

The Humans” ainda se encerra com um plano final que remete à sua própria origem, no tablado. Para mostrar que cada arte tem seus métodos e que, mesmo assim, é possível reuni-los. Uma fina casca referencial em um filme com um generoso recheio de criatividade.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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