The United States vs. Billie Holiday

The United States vs. Billie Holiday Filme Crítica Pôster

Sinopse: O filme acompanha Billie Holiday durante a fase de sua carreira quando ela é alvo do Departamento Federal de Narcóticos com uma operação secreta liderada pelo Agente Federal Jimmy Fletcher, com quem ela teve um caso de amor tumultuado.
Direção: Lee Daniels
Título Original: The United States vs. Billie Holiday (2021)
Gênero: Drama | Biografia | Musical
Duração: 2h 10min
País: EUA

The United States vs. Billie Holiday Filme Crítica Imagem

Fruta Amarga

Em um momento no qual a segregação ainda vigorava nos Estados Unidos, cantar uma música em favor dos direitos humanos, denunciando os recorrentes linchamentos a negros, principalmente no Sul do país, poderia ser entendido como afronta. Infelizmente, a história continua a se repetir, não como lei, mas como conduta – lembramos aqui do movimento Black Lives Matter que ganha força toda vez que uma arbitrariedade contra corpos negros é cometida.

Não é difícil, então, perceber porque o trabalho de Andra Day em “The United States vs. Billie Holiday” (ainda sem título no Brasil) saiu vencedor no Globo de Ouro de 2021. Enquanto a luta pela igualdade ainda se faz necessária, trazer a figura de Billie Holiday em um embate histórico faz parte do poder do filme.

A atriz ficou com a difícil tarefa de interpretar uma mulher negra, bissexual, ativista, contraditória, com uma série de problemas de controle emocional e primorosa. Não há outro adjetivo para qualificar Billie Holiday: primor. Poucos são os cantores que conseguem fazer de sua voz já cansada e amargura pelas agruras da vida ainda mais fortes. Em uma percepção bem particular, revelo que minhas gravações favoritas de Billie são as do final de vida quando dor, força e cansaço se confundem em uma rouquidão inigualável.

Embora o longa-metragem comece justamente aí, já em seu final de carreira, em uma entrevista constrangedora (que, dentre outros absurdos, pergunta “como é ser uma mulher negra”), ele explora a perseguição que a cantora sofreu a partir de sua insistência em cantar “Strange Fruit” em suas apresentações. Considerada uma música de embate e convocação (e que bom que o é), esse posicionamento político da cantora fez com que ela seja investigada e presa por seu envolvimento com drogas. Não era surpresa, mas o “The United States vs. Billie Holiday” mostra como essa relação é utilizada como desculpa para calar a cantora por algum tempo.

O movimento pelos direitos civis só cresceu até com que se tornasse insustentável defender a soberania branca, ao menos, declaradamente. Sabemos que sempre tem algum ser que rememora as teorias eugenistas, mas o enfrentamento de meados do século XX que pode ser encontrado em outros filmes recentemente analisados pela Apostila como “Judas e o Messias Negro” e “Uma noite em Miami…” modificou a maneira de se dividir os espaços públicos e de construir a estrutura social. Nisso também, Billie Holiday era inovadora.

O jazz por si só é uma música que sai das plantações e das comunidades negras sulistas e adaptasse ao estilo das Big Bands que conseguem furar o registro racial demarcado. Figuras como Buddy Bolden, Scott Joplin e Bessie Smith foram essenciais para que surgisse uma segunda geração de cantores e cantoras negros como Big Mama Thornton e a própria Billie Holiday, que conseguissem expressar sua arte com todas suas novas ramificações: blues, ragtime, jazz. Ritmos diferentes, mas que tem como origem a dança e o cantarolar do corpo negro que mistura esperança e desespero.

Lady Day é quase uma síntese de tudo isso que acaba por se afogar em sua intensidade. As várias quedas e recaídas parecem fazer parte desse corpo que não consegue ser só um pouco. Virtuosa em todos os sentidos, nem um pouco comum, Holiday levava ao limite qualquer coisa a qual se propunha. Até mesmo seu fim.

Andra Day está bem em um papel que tinha tudo para derrubá-la. Curiosamente, o que quebra o ritmo da trama em “The United States vs. Billie Holiday” são os inúmeros efeitos musicais inseridos em momentos dramáticos que destoam da história. Nossa Day já é drama puro, não precisa de artifícios.

Veja o Trailer:

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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