Sinopse: Em “Todos Já Sabem”, quando sua irmã se casa, Laura (Penélope Cruz) retorna à Espanha natal para acompanhar a cerimônia. Por motivos de trabalho, o marido argentino (Ricardo Darín) não pode ir com ela. Chegando no local, Laura reencontra o ex-namorado, Paco (Javier Bardem), que não via há muitos anos. Durante a festa de casamento, uma tragédia acontece. Toda a família precisa se unir diante de um possível crime de grandes proporções, enquanto se questionam se o culpado não está entre eles. Na busca por uma solução, segredos e mentiras são revelados sobre o passado de cada um.
Direção: Asghar Farhadi
Título Original: Todos lo Saben (2018)
Gênero: Crime | Drama | Mistério
Duração: 2h 13min
País: Espanha | França | Itália | Argentina | Alemanha
Sem Resgate
Antes de prosseguir, devo mencionar que – após ouvir e ler de muita gente sobre a frustração com tal fato junto ao serviço de streaming Amazon Prime Video, foi a minha vez de cair no golpe. Encerrando o ciclo dos quatro filmes mais recentes do diretor iraniano Asghar Farhadi, fui surpreendido com a ausência de legendas em “Todos Já Sabem“. Para o espectador e assinante brasileiro, são apenas duas opções: ou os poliglotas gastam um pouco seu espanhol de sotaques múltiplos e assistem no áudio original ou apelam para a dublagem. Uma falha grotesca em uma obra que não tem a desculpa de ser antiga ou do circuito independente – já que circulou pelas salas de cinemas há dois anos pelas mãos de distribuidora renomada.
Ao contrário dos longas-metragens anteriores do cineasta, as representações aqui chegam mais perto de um thriller de mistério do que a característica exploração de drama familiar do portfólio do diretor. Filmado na bonita Torrelaguna, ao norte de Madrid, Farhadi parece menos disposto a mergulhar na cultura local, como o fez morando dois anos na França como parte da produção de “O Passado“. A questão migratória aqui é atravessada, já que Penélope Cruz é Laura, uma espanhola que volta ao seu país para o casamento da irmã, junto das filhas. Ela está estabelecida na Argentina, terra-natal do marido Alejandro (Ricardo Darín), que não viaja com elas no primeiro momento.
Portanto, enquanto que na obra estrelada por Bérénice Bejo um iraniano transita entre a sociedade que o formou e a Europa, aqui os traços de intercâmbio cultural surgem na segunda metade, quando o astro latino-americano finalmente aparece na história, sob olhares desconfiados daquela comunidade. O diretor alonga as representações boa parte do tempo aqui, encontrando uma busca por virtuosismo que não identificamos até então. Não que “Todos Já Sabem” seja um filme “inferior”, ele é apenas diferente, talvez enquanto experimento de linguagem de um cineasta muito celebrado mas que adquiriu, ainda jovem, uma zona de conforto. Ou seja, não resgata o que deu certo de forma automática, tenta pinçar elementos diferentes. Com ele, abriu pela primeira vez um Festival de Cannes, há três anos e recebeu, como sempre, boas críticas.
As contribuições de um elenco primoroso com Penélope, Darín e Javier Bardem garantem o interesse dos espectadores, inclusive com a ampliação de público para o próprio realizador, que ainda deve encontrar resistência temática, territorial e idiomática ao redor do mundo. Isso faz com que a cadência no desenvolvimento da trama não canse tanto assim a plateia. Asghar formata a narrativa de forma ligeiramente contemplativa, se prolonga no casamento da irmã de Laura, dá tempo de tela para criarmos uma empatia com Irene (Carla Campra) e sua curiosidade adolescente, para avançar quase no meio da projeção com o sequestro da garota.
Acostumados com essa convenção criada, parece coerente a nova demora para que a família e os amigos decidam se procurarão as autoridades. Até enquanto ranço de patriarcado, Laura parece disposta a seguir o que Alejandro achar melhor. Tanto que, em determinado momento, ele fala: “a filha é minha e, portanto, eu decido o que fazer” (terei que acreditar na dublagem de Jeff Bezos). Porém, tanto em qualquer filme do cineasta quanto em qualquer programa do João Kléber, haverá um segredo a ser revelado. Conforme a urgência de uma tragédia se avizinha, as representações encontram a tonalidade mais melodramática do país e do povo no qual está inserido.
Ao contrário das desventuras de Woody Allen, que aplica seus devaneios e neuroses e enquadra Paris, Roma, Barcelona ou Londres aos seus intentos – aplicando até um olhar um pouco exótico – o iraniano parece mais disposto a se colocar como ferramenta, a ler os territórios que ocupará com mais destreza. Talvez falte bagagem para tornar o longa-metragem uma obra que dialogue mais com sua filmografia, principalmente envolvendo as ressalvas do grupo de personagens com a situação posta e a receptividade a Alejandro. Não nos provoca tanto a promover julgamentos e exercícios de projeção (como mencionamos na crítica de “A Separação“), nos prende mais pela trama criminal em curso.
Claro que “os fins justificam os meios” – tanto para aqueles que fizeram mal a Irene quanto para as representações que concluem o filme. Asghar Farhadi consegue provar em “Todos Já Sabem” que é uma grife forte no audiovisual contemporâneo, mesmo quando arrisca e permite ser menos regular. Talvez frustrante para quem preparou a alma para ser sacudida por suas histórias, mas promissor para aqueles que começam a desenvolver o receio de que sua carreira poderia se tornar mais do mesmo.
Veja o Trailer de “Todos Já Sabem”: