Um Filme Dramático

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Sinopse: Um Filme Dramático pergunta a quem pertence o cinema. E o faz por meio de cenas da primeira turma matriculada no recém-construído Collège Dora Maar, no subúrbio parisiense de Saint-Denis, cujos alunos usam câmeras para debater como representar o mundo que os cerca e que mundo almejam. Baudelaire trabalhou em uma comissão durante quatro anos (começando em 2015) junto com alunos do ensino médio, vários dos quais advém de famílias de imigrantes e enxergam a França através de um olhar estrangeiro. Com o passar do tempo, surge uma construção de confiança a partir do processo de coautoria, aprendizagem e um modelo social provisório.
Direção: Eric Baudelaire
Título Original: Un Film Dramatique (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 54min
País: França

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Gente Inocente

Exibido no Festival de Locarno, “Um Filme Dramático” mostra uma construção coletiva, com adolescentes do primeiro ano do ensino médio de uma escola nos arredores de Saint-Denis, em Paris. O diretor Eric Baudelaire traça uma antropologia à francesa, se valendo de múltiplas linguagens, representações e maneiras de expor seu objetivos. Uma obra que aplica a democratização de produção audiovisual em seu limite, ao mesmo tempo em que comprova que – mesmo em um mundo de acesso à informação – a inocência juvenil ainda é a regra.

Um prólogo com algumas breves provocações inaugurais. Imagens do céu com um narrador em busca de uma estrela e um diálogo com a tela completamente preta. Parecia que uma verve godariana seria a metodologia do cineasta. Aos poucos ele afasta esse experimentalismo na montagem – apesar de ter, fatalmente, algumas sequências de experimentações. Não chega a segmentar o filme, mas prioriza em cada uma das partes identificáveis, uma abordagem.

De início, “Um Filme Dramático” nos coloca dentro da sala de aula ou pelos corredores da escola. Os alunos, sem interferência demonstrada, dialogam sob temas aos quais são conduzidos. O racismo e o preconceito contra os filhos de imigrantes, em igualdade de direitos com qualquer outro francês pelo direito inato à cidadania, traz o tom crítico com aquela consciência doce dos novos pensadores. Não há nada ousado nessa representação, porém o longa-metragem cumpre importante papel de atualização de realidade. Um fragmento do seu tempo, de um período em que todos querem falar e quando ouvem o fazem sem se preocupar com a fonte.

Mais adiante, a obra transita por trilhas mais lúdicas. Em sua mais bela cena, dois meninos jogam frescobol sem bola na praia a qual os adolescentes fazem um passeio. Ali, em complemento aos enxertos da parte inaugural, de captação das imagens pelos próprios jovens, reside o tal debate sobre “o que é cinema” conduzido pela sinopse. Enquanto os agentes do filme transitam pelos territórios que lhe cabiam, não parecia ser possível a entrega de uma arte que fugisse do documental. Ao se veem em outros espaços, com vivências únicas ou inéditas, aquelas experimentações que antecipamos começam a tomar conta.

Com isso, cresce o interesse daquelas pessoas pelo próprio fazer cinematográfico. É quando Baudelaire inaugura a parte final, de total liberdade e desprendimento de forma e conteúdo. A simbologia desse momento está na cena mais emblemática de “Um Filme Dramático”. Em um espaço reservado a cartazes, diversas propagandas de candidatos, todos homens brancos, à exceção é política de extrema-direita Marine Le Pen, comparada nas cenas de sala de aula com Donald Trump, em uma reprodução de acertada análise crítica por um dos personagens. A turma, então, cola cartazes de seus colegas, meninos e meninas negras, com mensagens muito mais interessantes do que a velha demagogia institucionalizada da classe política.

Quando retornam à Paris, chama a atenção a ocupação de calçadas das áreas periféricas por imigrantes que permanecem no país em condições ilegais. Mesmo ainda jovens para criar esses laços, sabemos que o poder da imagem permanecerá na mente daquelas crianças. Quando eles estão livres para produzir, os caminhos destoam. Há quem passe o tempo todo observando transeuntes com a câmera em punho. Outra acha válido a captação de pombos em seus trajetos incoerentes pelos ares (por sinal uma poesia esvoaçante que lembrou o pequeno curta “Antônimos”, de Edson Campolina, que Roberta Mathias tratou no texto chamado Trilogia Homeostasia). Aqueles pequenos também estão em seu mundo de contradições, talvez para eles imperceptíveis de todo.

Por fim, há quem siga o caminho mais vloguístico, uma produção de conteúdo sobre si. Essa tomada de discurso ainda jovem é uma marca geracional, que dificilmente quem não está inserido nesse mundo compreende. Falamos um pouco disso em nosso texto sobre o documentário “Jawline: Ascensão e Queda de Austyn Tester“, premiado no Festival de Sundance. Com isso, “Um Filme Dramático“, mesmo passando por alguns trechos de insistência de algumas linguagens e objetos que não funcionam tão bem, está longe de fazer de seus protagonistas meros reprodutores, papagaios de adultos que emocionariam por sua inocência. Pelo contrário, as convoca a questionar qual o seu espaço e, desde logo, fazer alguma coisa com essa consciência – já que o planeta talvez não consiga esperar uma maturidade tardia.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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