Leia a crítica de “Um Milagre Inesperado”, que estreia na première Telecine.
Sinopse: Após um trágico acidente, uma mulher encontra forças para viver quando sua família resgata e cuida de um pássaro ferido. Baseado numa inspiradora história real.
Direção: Glendyn Ivin
Título Original: Penguin Bloom (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 35min
País: Austrália | EUA
Subjetividades e Percepções
Apesar da parceria local de distribuição com a Netflix, o drama biográfico australiano “Um Milagre Inesperado” seguiu a trajetória tradicional de lançamento. Após breve e, assim como todas as obras dos últimos meses, desastrosa passagem pelas desérticas salas de cinema e nos streamings VOD, chega agora a um público maior pelo catálogo do Telecine. Baseado na história da surfista Sam Bloom, adaptando livro escrito por seu marido Cameron Bloom ao lado de Bradley Trevor Greive, o filme é recomendado para aqueles que desejam como programa de sábado um mergulho total no drama pessoal – e nas formas pelas quais eles podem ser superados.
Sam (Naomi Watts) é uma mulher que sofre um acidente na Tailândia e perde os movimentos do corpo abaixo de uma de suas vértebras. Mãe de duas crianças e moradora de uma casa no litoral ao norte de Sydney (a locação é a casa verdadeira da personagem na vida real), ela precisa lidar com a tristeza e o sentimento de impotência por se manter boa parte do dia deitada na cama, enquanto sonha com uma recuperação que a torna novamente mais ativa. O marido Cameron (Andrew Lincoln) e os filhos Noah (Griffin Murray-Johnston) e Rueben (Felix Cameron) também precisam de suas doses de adaptações e exerícios de frustrações.
A direção de Glendyn Ivin, a partir do texto de Shaun Grant e Harry Cripps, explora a perspectiva do menino Noah. É a partir de sua abordagem que a culpa como mola propulsora da narrativa se forma. Ao contrário de longas-metragens que formatam seu drama em uma construção empática e afetiva com os personagens, tornando o fato trágico uma virada com carga de surpresa (como o clássico “Entre Dois Amores“, de 1985), aqui os eventos pós-traumáticos tomam conta. Quando a origem se apresenta, é sempre pelo olhar de lembrança e da interpretação que seus agentes dão sobre aquilo.
Portanto, assistir “Um Milagre Inesperado” é, principalmente, refletir sobre as implicações de nossas decisões e os impactos do destino. É não se deixar consumir pelo que entendemos como “erro”, é um exercício de aceitação. No arco de superação pelo qual Sam precisa passar, um pássaro apelidado de Penguin se torna figura importante. Compartilha com ela a fragilidade – muito bem gestada por uma sempre inspirada Watts – e se aproxima dela como um ser em parte dependente, que resgata os sentimentos de importância e relevância para uma protagonista com uma longa vida pela frente.
A limitação de movimentos – seja temporária ou permanente – acaba em um primeiro momento se estendendo ao que ela entende como possível na criação e cuidado da casa e da família. Em um ambiente onde ninguém tem uma solução ou uma resposta certa, todos precisam reaprender ou aprender em novas circunstâncias. Para aqueles menos dispostos a aceitar a potência dramática, o trabalho do cineasta pode soar sensacionalista. Não há uma sequência que não busque imagens estilizadas, trilha sonora apelativa e uso da conexão com o pássaro como metáfora edificante excessiva. Os corações menos endurecidos cairão de cabeça em todas essas ferramentas, contando com um trabalho equilibrado dos atores, que refletem os sentimentos dos personagens de forma menos exagerada em relações a outros melodramas.
Por sinal, o que há de específico no título em inglês (Penguin Bloom) é proporcionalmente genérico no título no Brasil – mas deixa uma proposta de leitura curiosa. Já que boa parte das representações convergem para um questionamento acerca da culpa, a frustração de todos acaba sobressaindo. É duro quando um fato, além de gerar um sentimento de impotência, tem a superação comprometida ao não ser possível apontar culpados. Entender a total ausência de responsabilidade é um passo importante, mas uma construção que aquela família precisa gerir em conjunto.
Só que o nome “Um Milagre Inesperado” nos induz a uma materialização desta superação. Provoca no espectador a mesma projeção de uma vida idealizada por Sam Bloom. E a grande surpresa e maior lição é entender que a ideia de milagre e o conceito de bem-estar não deixa de ser subjetivo – e dependente de nossas percepções, que se formatam melhor caso estejamos dispostos a nos compreender, sem que o destino soe como uma amarra.
Veja o Trailer: