Sinopse: Em “Um Ninho Para Dois”, uma mulher que tenta superar uma perda precisa lidar com um pássaro genioso que invadiu seu jardim – e um marido que luta para seguir em frente.
Direção: Theodore Melfi
Título Original: The Starling (2021)
Gênero: Drama | Comédia
Duração: 1h 44min
País: EUA
Voar para Perto
Pode parecer que eu e Roberta Mathias estamos de mal com Melissa McCarthy. Afinal de contas, uma das atrizes mais engraçadas dos últimos anos tem deixado a desejar no ofício no qual se consagrou. Por outro lado, nos projetos formatados para extrair sua veia dramática, ela tem encontrado bons papéis. É o caso de “Um Ninho para Dois“, principal estreia da Netflix na última semana – que pode repetir uma indicação ao Oscar de melhor atriz em 2022, depois que ela perdeu o de 2019 (por “Poderia Me Perdoar?”) para a destruidora performance de Olivia Colman em “A Favorita” (2018).
Esqueça os torpedos que ela lançou no streaming nos últimos dois anos, como “Superinteligência” (2020) e “Esquadrão Trovão” (2021). Melissa domina as ações em uma drama sobre um casal que vive distintos momentos de luto pela perda da filha, ainda bebê. Uma desconexão que pode tornar suas vidas um desastre ainda maior, alimentada pela dor da culpa. Ela é Lilly, uma estoquista de supermercado que tenta se manter forte enquanto vive sozinha. Seu marido, Jack (Chris O’Dowd) se abalou psicologicamente de tal forma que precisou ser internado em um centro de tratamento psiquiátrico.
A melancolia da obra dirigida por Theodore Melfi tem alguns aspectos solares, uma mistura carregada de intenções e que funciona bem. Talvez um marco dessa proposta seja a canção original “Isabelle Fly“, da banda The Lumineers (no Oscar da minha realidade paralela a melhor banda de folk dos últimos tempos tem uma indicação imediata). Há alguns aspectos da dor da perda que não precisam de grandes construções e introduções de personagens. É sentido por todos que já passaram por algo parecido. Morar na mesma casa depois que um ente querido se vai, continuar usando espaços antes compartilhados, olhar para cômodos e objetos que remetem de forma direta a ele, pode ser uma agressão constante na mente de quem vive um trauma.
Sobretudo, “Um Ninho para Dois” traz o inconformismo de quem vive a situação antinatural da morte de um filho antes dos pais. Ocorrendo da pior maneira possível: ainda na primeira idade. Nem sempre a união pautará o relacionamento dos pais em um momento de profunda crise como essa. Tal exceção bate à porta de Lilly e Jack, afinal, olhar o outro é atrair tristes lembranças, de certa forma. O roteiro de Matt Harris foi escrito há mais de quinze anos e já figurou nas tradicionais listas de bons textos nunca filmados. O tempo passou e a inversão de gênero dos protagonistas marcou a execução de Melfi, encontrando em McCarthy uma atriz com timing perfeito para a mulher que luta de uma maneira diferente do marido internado com demônios internos mais carregados.
A montagem traz algumas memórias soltas em flashbacks, mas a narrativa avança com a chegada do tal starling, o pássaro que dá nome ao filme. Pode soar como uma metáfora rasa, já que a trama se desenvolve pelo instinto animal de proteção da prole. Fazendo um ninho na árvore localizada no quintal da casa de Lilly e Jack, uma das possíveis terapias daquela mãe – que tenta montar uma horta no jardim – encontra uma dificuldade inesperada pelos constantes ataques do bicho.
No vértice final do trio de personagens está o experiente Kevin Kline como o doutor Larry Fine, uma mistura de veterinário e conselheiro que surge como alguém de fora daquele mundo paralisado pela dor da perda. Algumas passagens são marcantes no filme, seja na interpretação de Melissa – que faz da protagonista alguém que usa as piadas e a irreverência como mecanismo de defesa – aos pequenos gestos como a tentativa de tirar as marcas da mobília de um tapete quando todos os pertences que remetiam ao passado são vendidos ou doados. Um drama marcado, sobretudo, pela sutileza.
Enquanto Jack vai se descolando da realidade de maneira perigosa, Lilly vê na relação com o pássaro um convite à reflexão sobre a coragem de se fazer mal a um ser indefeso. Talvez “Um Ninho para Dois” seja uma das produções que tenha me despertado mais curiosidade sobre as reações de público e crítica. Algo me diz que serão divididas, entre o despreze e as piadas de o envolvimento empático e sentimental de outros – que relevarão boa parte dessas representações, pautadas em algumas premissas rasas e execução alegórica. O que é inegável é que a obra está anos-luz à frente das comédias genéricas que Melissa McCarthy nos deu nos últimos tempos.
Veja o Trailer: