Sinopse: “Um Passaporte Húngaro” traz a odisseia de dois anos na vida da cineasta Sandra Kogut, neta de húngaros, em sua tentativa de obter a cidadania do país europeu entre 1999 e 2001.
Direção: Sandra Kogut
Título Original: Um Passaporte Húngaro (2001)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Brasil / França / Bélgica
Vertigem e Viagem de Avião
A revisitação de obras, mais do que um exercício de olhar sobre o filme, nos leva para um mundo e um cinema que não existem mais. O primeiro longa-metragem de Sandra Kogut, “Um Passaporte Húngaro“, transportado para 2020, não teria o mesmo sentido para uma geração que respira a globalização. Ou para quem está acostumado a problematizar e questionar representações no audiovisual. Nada que diminua a importância deste documentário em primeira pessoa, que nos apresentou uma cineasta cujos talentos iriam muito além das videoartes na qual ela já se destacava no final do século XX.
O filme tem início em maio de 1999, quatro anos antes da Hungria ser oficialmente um país-membro da União Européia. Kogut, conhecida por apresentar seus trabalhos em Paris, decide pedir a dupla cidadania, a qual faria jus por seus avós serem húngaros. Ali tem início uma trajetória que passa por uma guerra contra a burocracia brasileira, a xenofobia velada dos responsáveis pelo processo na Hungria e uma diretora que, inserida nesse contexto, vai ainda mais longe na busca por sua ancestralidade.
É comum o questionamento acerca do exercício do direito de obter cidadania europeia de brasileiros que quase não possuem vínculos com outra nação. Sandra, por exemplo, não sabia uma palavra do idioma local. A mesma preocupação com a vida alheia se dá em relação ao pagamento de pensão para filhas de militares – alguns falecidos há décadas. Questiona-se a moralidade, porque a legalidade é taxativa. Em um momento de turbulência no Brasil (para ser até generoso com o tamanho da crise pela qual passamos), debates sobre sair ou não do país ganham força junto à classe média das grandes cidades. Há, portanto, um misto de patriotismo e recalque em quem critica atitudes como a de Sandra Kogut em “Um Passaporte Húngaro”.
O fato é que seu longa-metragem não é o primeiro em que o documentarista transforma um fragmento de sua vida em excepcional peça narrativa. Porém, é um marco pela pertinência de sua produção, já que o mundo se encontrava em um período de transição, onde fronteiras estavam cada vez mais frágeis. Uma sociedade que expandia seus horizontes e se descobria e redescobria. O mundo falava em união, entre nações – territorialmente, até. Uma realidade inimaginável nos dias de hoje.
A condução de câmera da diretora chama a atenção por fechar excessivamente nos entrevistados. Kogut não quer que o espectador divida sua atenção com outra coisa, senão os depoimentos, as histórias. As pessoas. Com quase vinte anos de seu lançamento, “Um Passaporte Húngaro” poderia ser revisitado pela própria cineasta. O equilíbrio entre as falas de sua família e o processo de obtenção da cidadania – que, no final das contas, soou mais demorado do que complexo – deixa o público mais curioso do que satisfeito. Faz falta um pouco mais de ancestralidade no meio de toda aquela papelada. Mesmo assim, é um excelente caso de fusão de criador e criatura, em uma obra que não nos deixa dúvida sobre quem é Sandra Kogut.