Sinopse: Em “Uma Nuvem no Quarto Dela”, é um inverno chuvoso em Hangzhou. Muzi volta para casa para o Ano Novo Chinês, onde ela desempenha seus papéis como filha, meia-irmã e namorada. Um dia, Muzi acompanha sua irmã mais nova à escola e conhece o dono de um bar local, pai de um outro aluno. O estranho lembra um velho amigo de Muzi, despertando nela memórias de seu relacionamento com alguém que de repente desapareceu no ar. Ao mesmo tempo, seu namorado chega para uma visita. Vagando por essa cidade que lhe parece tão familiar, mas distante, ela busca um lugar ao qual pertença.
Direção: Zheng Lu Xinyuan
Título Original: 她房間裏的雲 (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 41min
País: China | Hong Kong
Paraíso Demolido
Depois de uma sequência de curtas-metragens bem-sucedidos na década passada, a cineasta chinesa Zheng Lu Xinyuan apresentou no Festival de Roterdã do ano passado seu primeiro longa, “Uma Nuvem no Quarto Dela“. Venceu o cobiçado Tiger Award, que premia a inventividade de novos nomes do audiovisual mundial e acaba colocando os profissionais no radar de muita gente, como foi com Pablo Trapero ganhador em 2000 e Kelly Reichardt em 2006. Tanto que chega ao espectador brasileiro pela distribuidora Supo Mungam, que o disponibilizou para os assinantes de seu serviço de streaming, a Filmicca.
Por sinal, inventividade é uma das melhores palavras para definir a obra. Com uma colagem que referencia desde a nouvelle vague aos experimentalismos a partir de filtros de imagem, a diretora nos transporta para Hangzhou, cidade chinesa de aproximadamente dez milhões de habitantes. Ou seja, um daqueles territórios onde o anonimato parece mais simples do que o normal. De uma ancestralidade que o colocou como um paraíso na Terra, o centro urbano hoje é tomado de grandes e sufocantes prédios, com suas janelas cada vez menores.
Em uma delas está Muzi (Jin Jing), uma moça que guarda com a mãe, Min (Dan Liu), o segredo de ser “meia-irmã”, observa o que seria um relacionamento amadurecido e transformado do casal. Xinyuan explora o olhar observador no início de “Uma Nuvem no Quarto Dela”, com uma câmera parada e planos longos, quase sempre nos pontos mais distantes dos espaços em que ocupa. Como se espectador estivesse receoso no canto de um cômodo ou olhando temeroso por adentrar uma intimidade que não lhe cabe.
Um expediente comum aos dramas contemporâneos, mas que a realizadora não a transformará na única forma de representação. Aliás, nem na principal, já que a obra transaciona suas propostas da mesma maneira que trafega pelo espaço-tempo. Acompanharemos parte do passado da protagonista e com ele uma outra leitura sobre cidade e família. Como elemento de conexão, a câmera começa a fazer aproximações pontuais, primeira demarcando comportamentos de outros personagens e depois assumindo de vez o registro documental, com imagens captadas de aparelhos de celular ou câmeras, fazendo Muzi agente ativa dessas captações.
Seus colegas de cena transitam, também, com insegurança. Ninguém parece ter certeza de muita coisa nas metrópoles modernas, mas quando se volta ao passado, o olhar da cineasta é ligeiramente saudosista – e mais completo por conta disso. Ela volta no ponto em que se despede da casa onde morava com sua família. Ali a permanência da imagem nos permite absorver bem mais elementos do que na fase atual da vida da jovem. Pode reparar que nas extremidades dos planos, quase sempre há um acúmulo de objetos. No presente, eles soam deslocados, parecem sem função. No passado, mesmo em um território que não comporta mais seus habitantes, eles parecem carregados de vida, de história.
Há um prolongamento da narrativa e uma tentativa de envolvimento com a narrativa estilingada que pode cansar boa parte dos espectadores. A diretora também aplica na montagem algumas ferramentas que flertam com o ensaístico, porém que não dialogam tão bem com o restante da obra. O grande destaque é trazer, algumas vezes e a partir dos questionamentos da própria Muzi às pessoas que ela filma – a busca por reconhecimento e pertencimento. É como se uma nova identidade precisasse se construir com a mudança – e, passadas semanas (ou anos), concluir-se que ela não se formou. Nesse resgate de formatações do passado, algumas pistas do que deu errado aparecem.
Elas nos levam tanto ao sufocamento espacial já mencionado (a casa antiga é descrita como um local de boa ventilação, por exemplo) até o amor dos pais que se esfriou, se valendo de memórias de um desenho antigo como desculpa para tentar reavivá-lo. As experimentações da cineasta querem tornar a viagem mais sensorial, mas “Uma Nuvem no Quarto Dela” é mais pleno que encontra essa emulação documental. Começamos acompanhando um relacionamento que não se consolida e terminamos com uma personagem que finalmente parece ter encontrado o seu ponto de demolição.
Veja o Trailer: