Sinopse: Amanhece em Venice Beach, Califórnia. Todas as manhãs, as pessoas em situação de rua que vivem pela praia acordam e precisam arrumar o lugar onde passaram a noite. Conforme o sol se levanta, suas vozes passam a expressar diferentes visões de mundo. Todas as manhãs, como em uma peça de teatro, esse ritual se repete e parece que nada mudou. Porém, todas as manhãs, aos poucos, a vizinhança à beira-mar que eles chamam de lar, e o país onde vivem, estão mudando de maneira estranha e assustadora.
Direção: Marion Naccache
Título Original: Venice Beach, CA
Gênero: Documentário
Duração: 1h 19min
País: França | Brasil
Tudo Normal
Disponível em janela gratuita na plataforma do Sesc, “Venice Beach, CA” é um documentário de co-produção brasileira, dirigido pela francesa Marion Naccache, mas que nos leva para uma praia no Estado da Califórnia nos Estados Unidos. Parte da Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, o segundo longa-metragem da cineasta mostra certo interesse da mesma em buscar paralelos no país mais rico do mundo para narrativas de marginalizados. Ao mesmo tempo em que destrói o american way of life, ela o humaniza. Um pouco da proposta da obra de sua obra “Coney Island“, de 2010.
Aqui acompanhamos uma câmera estanque, em plano aberto, observando em diversos pontos da orla – e em vários momentos do dia – a movimentação das pessoas. Em off, narrações de artistas ou pessoas em situação de rua dividem suas experiências, um pouco mais profundas posto que no manto do anonimato visual. Com isso, ela mistura as experimentações de um audiovisual que costumamos acessar em festivais fora do eixo, como o Ecrã ao mesmo tempo que faz uma antologia de relatos típicas de um documentário tradicional.
A marca dos quase oitenta minutos de “Venice Beach, CA” é a não-individualização. Não apenas de indivíduos, mas um pouco também em relação ao território e sua geografia. Podemos transportar nossa mente para outros pontos, de estrutura e dinâmicas sociais parecidas. Um pouco da proposta de gentrificação que tratamos em nosso texto de “Atlântida” (2021), produção italiana também exibida na Mostra SP e que se passa no entorno da Veneza que, provavelmente, inspirou o nome da praia californiana. Ela aqui soa como uma ironia, forjada para segregar e manter seus espaços higienizados para a manutenção do capitalismo em seu mais alto grau.
Na realidade dos discursos, a violência é uma das características de quem circula por ali à noite. Nas inquestionáveis representações das imagens, autoridades policiais circulam e representantes de uma empresa de limpeza urbana fazem com que a orla amanheça impecável. Durou muito tempo – e ainda existe em grandes centros como o Rio de Janeiro -a ideia de que a praia é um lugar democrático, no qual miseráveis e bilionários ocupam a mesma faixa sem que isso pareça um “problema”. Basta usar uma lupa nas micro relações para ver que não é bem assim e qualquer tentativa de exercício dessa igualdade será reprimida.
Enquanto na Venice Beach teremos turistas que tomam dois banhos por dia, um homem fala que é comum ele conseguir se lavar apenas uma vez por semana. Outro fala do caminho comum do vício em drogas sintéticas, como a metanfetamina. O território ali desenhado é de um descaso ainda maior do Estado, que atira à própria sorte quem não tem, na pirâmide econômica, muito a acrescentar. Aplica juízos valorativos às vidas, como se denota do testemunho de um homem trans que teme por sua morte e a certeza de que seu eventual assassinato seria impune pela falta de interesse do poder institucionalizado pela sua vida.
Nesse momento, um dos momentos mais fortes do filme em forma de reflexão: diante deste cenário, vale a pena viver? Enquanto discurso político, temos duas grandes frentes na análise daqueles personagens. Alguns são marcados pela consciência aparente, focando a raiva na figura de Donald Trump (Presidente à época e digno de uma rap que o destrói), mas sabendo que as administrações democratas como a de Barack Obama pouco avançaram em suas demandas. Colocam, também, a especulação imobiliária como a grande materialização da sociedade opressora na qual estão inseridas.
Porém, há outro espectro em “Venice Beach, CA“, que traz falas mais proféticas. Até um pouco viajantes ou carregadas de uma sensibilidade que a frieza de nossa análise jamais alcançaria. Enquanto elas nos são atiradas, as imagens de Marion reproduzem o verniz de normalidade. Em comum, todos eles parecem sentir o peso de uma comunidade movida pelo ódio, até mesmo nas manifestações de algumas religiões. Para os habitantes daquela praia, parece indiferente propor qualquer solução – aceitando que vivem uma encruzilhada.
Veja o Trailer: