Viagem Fantasma

Viagem Fantasma

Sinopse: “Viagem Fantasma” é uma viagem ao grande além. De um comício de War Bonds a um concurso de beleza de resort na Flórida, via Monument Valley, a Blue Star Memorial Highway, as Montanhas Rochosas, como acima, e abaixo, uma viagem de vinte anos com uma frase de efeito no coração. Esta terra é sua terra, esta terra é minha terra, ou se você não quer ir para o céu quando o mundo está pegando fogo?
Direção: Stephen Broomer
Título Original: Phantom Ride (2019)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 9min
País: Canadá

Viagem Fantasma

OK, Broomer!

Viagem Fantasma“, escolhido como penúltimo filme do Festival Ecrã, traz um panorama de forma, estilo, conteúdo e linguagem do melhor que o cinema experimental vem produzindo nos últimos anos. Stephen Broomer (que se um dia souber da nossa existência perdoará o trocadilho do título, pois sabe que o meme de hoje é o registro histórico de amanhã), participou da edição 2019 da mostra com “A Visão de Tondal“. Aqui, ele traz uma obra bem diferente, que resgata as filmagens caseiras do empresário norte-americano Ellwood F. Hoffmann que, entre as décadas de 1940 e 1950, rodou os Estados Unidos e registrou com as técnicas da época sua visão sobre o país.

Alguns vídeos de Hoffmann estão disponíveis no YouTube e no Vimeo e foram catalogados pela Center for Home Movies nesse link. Sabemos muito sobre a trajetória do homem e pouco sobre suas opiniões. Mas, é provável que ele tivesse muito orgulho dos Estados Unidos da América. Símbolo meritocrático, não completou os estudos básicos formais porque passou a trabalhar varrendo chão de fábrica. Até que se tornou dono de uma, sendo um dos grande produtores de meias da Filadélfia. Com o futuro garantido, se aposentou cedo e percorreu todos os Estados americanos e países vizinhos com sua câmera – era um amante do Cinema.

O que Broomer nos provoca em “Viagem Fantasma” é verbalizado por ele nessa entrevista (em inglês) para a página do festival Alchemy Film and Moving Image Festival, que teve sua décima edição com a participação da obra em maio deste ano. Nos faz pensar sobre a apropriação da imagem de arquivo e como cineastas como ele devem ser entendidos. O que Broomer faz aqui é um trabalho de recondução do material. Usando duas (por vezes três) imagens sobrepostas, ele parece querer criar constantes portais no espaço-tempo da existência de Hoffmann, tentando refletir sobre as influências da própria experiência de imersão do território norte-americano na construção daqueles filmes.

O empresário registrou as convenções republicanas de 1944, que escolheu Thomas E. Dewey para tentar evitar um quarto mandato de de Franklin Roosevelt, sem sucesso. Em meio à Segunda Guerra Mundial, fica clara a preocupação em fazer essa ponte histórica. Mas o que chama a atenção mesmo no filme é seu poder de sintetizar a formação da sociedade estadunidense moderna. As estradas em construção e a passagem por túneis e pontes são grandes exemplos. O produtor do material original usava a técnica da época de amarrar a câmera no capô do seu carro para fazer, literalmente, um road movie. Uma gênese do que seriam os subúrbios das grandes cidades também é identificado. Mencionamos em nosso texto sobre “Breakpoint: Uma Outra História do Progresso” como esse conceito se populariza nos anos 1950 para suprir um déficit habitacional.

Ideia de América que teve forte contribuição das construções imagéticas do Cinema, notadamente da Era de Ouro de Hollywood (que também contribuiu com a participação dos soldados dos país na Guerra com a política dos war bonds). Pensar que, enquanto essa visão comercial era pensada, nos grotões do território pessoas reais produziam seus próprios filmes, é realmente quebrar os limites do espaço-tempo. Na entrevista já mencionada, Broomer diz que gostaria de ser entendido como um maestro dessas imagens. Ele, de fato, o é. Usa símbolos da geografia e arquitetura dos Estados Unidos como referenciais. Por mais desinteressado que esteja o espectador, não há como despertar uma fração de sua memória ao avistar na tela o Monte Rushmore, por exemplo.

O que jonCates faz com a tecnologia em “CidadeFantasma“, Stephen Broomer faz com a história em “Viagem Fantasma“. Duas formas de dialogar com os espectros e sonhos do passado para compreender os Estados Unidos e seu trator de progresso e doutrina meritocrática. Dois maestros, que pudemos assistir sem os trajes de gala, mas no conforto de nossos lares, nessa edição do Ecrã e suas multiplicidade de meios e linguagens que nos hipnotizou em uma maratona de dez dias.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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