24ª Mostra Tiradentes | Mostra Foco Minas | Sessão 2

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Curta Mineiros Amanda Dias Foco Minas | Sessão 2
Mineiros (Amanda Dias, 2020)

Existências

Mineiros“, da realizadora Amanda Dias, se inicia lembrando de mais um episódio na História recente do Brasil em que a morte foi banalizada. No dia em que completam oito anos da tragédia da boate Kiss, com 242 mortos, assistimos ao curta-metragem que lembra de outra data (que completou dois anos na última segunda-feira): 25 de janeiro, data do rompimento da barragem de Brumadinho e vitimou 270 pessoas.

Se hoje atingimos 220 mil mortes pela covid-19, totalmente negligenciada pelo governo federal, não seria um número mil vezes menor que comoveria a sociedade. Por isso é tão significativo o prólogo do filme. Lápides que repetem a mesma sequência de número: 25-01-2019. Até que outras são apenas números, registros estatísticos de vidas. A realizadora, então, nos leva a placas nas estradas e com ela o vazio vai preenchendo nossas percepções. Se há uma forma de reconstituir aquela tragédia (que parte da mídia hegemônica ainda insiste em chamar acidente), Amanda nos faz com sons de gotas, que mostram como um crime como aquele vai penetrando em uma comunidade.

A Vale tem grande importância para algumas regiões de Minas Gerais, por conta da exploração de minério. Isso para não chamar de dependência mesmo. Algo que também se destaca nas construções de imagens aqui. Quando saímos da estrada e chegamos a uma cidade fantasma (que leva “Mineiros” a um outro caminho, o de filme-denúncia), todos os outdoors são da empresa ou de eventos vinculados à ela. Também é dela a orientação para que toda a população de um território se desloque em caso de emergência. “Rota de Fuga”, diz algumas dezenas de placas captadas junto ao vazio. É um Brasil de crônicas de mortes anunciadas – ou provocadas.

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Vigília Rafael dos Santos Rocha
Vigília (Rafael dos Santos Rocha, 2020)

Já “Vigília“, de Rafael dos Santos Rocha, vem resgatar um debate que parecia que não existiria em uma hipotética pandemia mundial de um vírus letal de alta propagação. O conflito entre a vida e a economia, a falácia da igualdade entre todos os humanos diante desse contexto e – mais uma vez – a naturalização da morte. O curta-metragem acompanha Edésio José da Silva, um catador de material reciclado em Belo Horizonte.

O diretor, então, capta imagens quase sempre de uma altura média. O espectador fica com a impressão de que a câmera assiste sentado o trabalho daquele senhor. A parte da sociedade que mantém seus privilégios de poder ficar em casa quando bem entender (seja assistindo à versão online da Mostra Tiradentes ou desrespeitando a lógica com suas saídas breves “em nome da saúde mental) também está sentada. Edésio é mais um que não tem o de amanhã se não fizer por onde hoje.

Há também um reencontro com Luísa Lanna, em mais um grande trabalho de montagem (falamos dela por aqui em “Yãmĩhex: As Mulheres-Espírito” (2019); e “A Flecha e a Farda” (2020). Rafael capta também alguns entregadores de aplicativos, uma pessoa passeando com cachorro… Desenhos e novas configurações das cidades a partir de março de 2020. Essa passividade da câmera incomoda, há um distanciamento tal que se estivéssemos evitando a realidade como a do protagonista. E, de fato, estamos. Para Edésio resta a fé, em um louvor que ele mesmo precisou criar.

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Crua Clara Vilas Boas e Emanuele Sales Foco Minas | Sessão 2
Crua (Clara Vilas Boas e Emanuele Sales, 2020)

Depois do único curta-metragem da sessão não dirigido por mulheres (“Vigília”), “Crua” faz um exercício parecido com o estranhamento do longa-metragem “Ten-Love” (2020). A partir de um recorte de classe, que aqui segue um caminho de intercâmbio geracional, as cineastas vão remodelando a narrativa. De início, típicos representantes da classe média branca brasileira fazem uma atividade muito comum a uma elite privilegiada: uma meditação seguida de um combo de conversas no intuito de alcançar a plenitude espiritual.

Esse prólogo, construído de maneira que não mergulha de vez na ficcionalidade, é seguido de uma conversa entre a protagonista, Duda, com sua mãe. Ali identificamos outra característica comum a esse recorte de classe: uma condescendência, misturada com orgulho de terem os filhos melhores condições de vida do que eles. É a velha leitura do mundo como lugar em que se anda para frente. O direito de ter acesso a uma pizza em dia de semana é comemorado na bem-sucedida família.

Veja, ao contrário daqueles que urgem contra representações e narrativas da elite, não há descrédito ou deboche nessa análise. Clara Vilas Boas e Emanuele Sales traçam muito bem um caminho padronizado para fechar o cerco na personagem que interessa, a adolescente. Ao transitar por um espaço com as amigas da mãe, para o núcleo familiar, até atingir a troca com suas colegas de escola, fica clara a mensagem de que sempre haverá questões e traumas a cada uma das gerações. Em todos esses espaços a predominância é da presença feminina, mas se abrir para contar o que ocorreu a Duda demanda uma espera, um medo que transcende a confiança daqueles ambientes.

É como se sentir culpada por não enxergar a perfeição que lhe vendem.

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Curta Lençol Branco Rebecca Moreno
Lençol Branco (Rebecca Moreno, 2020)

A sessão se encerra com “Lençol Branco“, uma incrível narrativa de resgate narrativo. Uma alforria ao fetichismo da figura feminina vinculada à juventude por um cinema que naturalizou a visão masculina. Rebecca Moreno conta a história de uma adolescente que “perde” a sua virgindade (e não tenho lugar de fala para problematizar a expressão, me limitando a deixá-la em aspas). A cineasta não deixa de transformar sua obra em um exercício, baseado no aprendizado de sua protagonista.

Uma geração que fixa lições cada vez mais cedo – e não se esquiva de buscar soluções para os velhos problemas de sempre. O conhecimento do corpo, a busca pelo prazer, a masculinidade como algo distante de ser o polo de uma relação. Rebecca faz um curta-metragem provocativo, em certo ponto, com essa ideia de revisitar essas representações enviesadas de trajetórias de mulheres à luz dos homens.

Trazendo Afrodite para o centro da realização, a Mostra Foco Minas se encerra com um apelo mais forte na ficcionalidade do que nos acostumamos a ver nos festivais. Se revela uma tendência, uma busca por caminhos mais palatáveis, não sabemos. Todavia, foi uma jornada divertida por realizadores tão talentosos de Minas Gerais.


Ficha Técnica Mostra Foco Minas | Sessão 2

Mineiros (Amanda Dias, 23′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Minas é o principal estado minerador do país. A mineração está na raiz, na origem, na economia e no nome de Minas Gerais. O sangue dos mineiros está na mineração.
Vigília (Rafael dos Santos Rocha, 8′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Enquanto a maior parte dos habitantes de Belo Horizonte protege-se dentro de suas casas contra a pandemia do Covid-19, um enorme contingente de pessoas é obrigado a estar nas ruas e a trabalhar. Para muitas delas a rua é muito mais que um ponto de passagem: é a própria casa. Na vivência das ruas, as recomendações sanitárias nem sempre tem condições de serem cumpridas completamente. Mas a luta e a resistência contra o vírus também acontecem de maneiras inesperadas. Edésio José da Silva, conhecido como Veizin, é um catador de material reciclado que trabalha no centro de Belo Horizonte. Por onde passa, Edésio entoa em voz alta as canções que ele inventa pelas rua vazias da cidade.
Crua (Clara Vilas Boas e Emanuele Sales, 23′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Duda, uma adolescente pertencente a uma família de classe média, tenta lidar com incômodos que a perseguem cotidianamente e traumas do seu passado.
Lençol Branco (Rebecca Moreno, 19′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Maria é uma adolescente de 16 anos, que após ter a sua primeira relação sexual, tenta lidar com a tensão sexual que está a sua volta. Vendo que depois de perder a virgindade nada mudou de fato, ela agora tenta descobrir mais sobre seus intensos e incontroláveis desejos sobre outros corpos e acaba descobrindo os prazeres do seu próprio corpo, ao se masturbar Maria tem o seu primeiro orgasmo.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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