O Monopólio da Violência

O Monopólio da Violência Documentário Crítica Pôster

Sinopse: Conforme o ódio e o ressentimento diante das desigualdades sociais escalam, protestos organizados por cidadãos são reprimidos com uma violência cada vez maior. Em “O Monopólio da Violência”, David Dufresne reúne uma bancada de cidadãos para questionar, debater e confrontar suas ideias sobre a ordem social e a legitimidade do uso da força pelo Estado.
Direção: David Dufresne
Título Original: Un Pays qui se Tient Sage (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 26min
País: França

O Monopólio da Violência Documentário Crítica Imagem

Educação Cívica

Em exibição especial na manhã do último sábado do Festival É Tudo Verdade 2021, o documentário “O Monopólio da Violência” não consegue fugir do didatismo de um debate ilustrado por imagens. Não que isso seja um problema ou torne a experiência da sessão da obra dirigida por David Dufrense melhor ou pior. Os mais interessados no assunto, que se envolvem neste tipo de abordagem, encontrarão um longa-metragem completo em sua proposta de tratar da repressão policial francesa às manifestações populares, que ganharam força desde os chamados “coletes amarelos” se destacarem nos noticiários de todo o mundo.

Todavia, o filme também nos provoca um questionamento sobre o próprio evento onde ele foi apresentado. Há mais de duas décadas, a mostra de cinema comandada por Amir Labaki reúne grandes produções da linguagem documental de todo o mundo. Com recortes específicos para o cinema latino-americano e brasileiro, é curioso que questões tão fundamentais como esta sejam abarcadas pela seleção nacional apenas pelo viés histórico. Boa parte da programação se limita a trazer personagens vinculados às artes (documentários musicais, sobre teatro e o próprio cinema) ou revisitações do período da ditadura militar ou do fim do Estado Novo. Até a redemocratização costuma ser evitada. Há muitas obras no país que dialogam com a francesa (aqui na Apostila de Cinema tem vários, incluindo “Com Vandalismo“) e é uma pena que não ocupem um espaço tão nobre no calendário de festivais brasileiros.

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A grande diferença de leitura sobre “O Monopólio da Violência” mencionado no título é que as forças policiais da França são nacionais, enquanto na maioria das outras nações são subdividas por entes federativos. Aqui no Brasil, por exemplo, cada Estado tem sua própria corporação, marcada pelo militarismo. Não levaremos esse texto para muito longe dos limites do longa-metragem, mas há quem não saiba que a militarização da polícia é uma opção – e não uma regra imposta. Por isso, quem defende o fim deste tipo de segurança não necessariamente é defensor do crime ou da ausência de repressão. Quem tem essa cabeça, contudo, encontrará argumentos logo no início para fazer valer esse expediente utilizado pelo Estado. Imagens de jovens protestando pelas ruas de Paris são acompanhadas de lições sobre os escritos de Max Weber, que vinculava a ordem a esse monopólio da força física legítima.

Ocorre que o maior protegido em um sistema baseado no capital sempre será a propriedade – nunca o indivíduo. Soa até um pouco anacrônica a tentativa de convencer as pessoas a se insurgirem contra isso. Vivemos uma era na qual estamos adaptados a essa luta pelo que temos e não pelo que somos. Uma parte dos cidadãos (ocupantes das classes mais privilegiados, é bom que se diga) já coloca em sua conta futuros ganhos com o patrimônio adquirido por pais e avós. Isso mesmo, uma expectativa de direito que gera um desejo de proteção. Voltando às ruas de Paris, encontramos exemplos e discursos sobre os graves problemas sociais de mais uma das inúmeras metrópoles do planeta. Os grandes centros urbanos são cruéis e cada vez mais reúnem os habitantes da Terra dentro deles, em um sistema sufocante e opressor.

De forma endêmica, a concentração de renda unida à perda de direitos básicos tem tornado a sobrevivência cada vez mais difícil e penosa. Com isso, se socorrer a um jurista do século XIX para legitimar a resistência estatal contra qualquer tentativa de questioná-lo faz todo sentido. Emmanuel Macron, Presidente francês que ganhou destaque por aqui apenas quando sua esposa foi ofendida por Jair Bolsonaro, se ergue em “O Monopólio da Violência” usando uma tática parecida de desinformação. Diz que as minorias que reivindicam garantias de uma vida mais digna aplicam um “monopólio de discurso“. Falso antagonismo, falso anacronismo. O filme pluraliza as falas e traz não apenas historiadores, sociólogos e representantes da classe política. Entre os trabalhadores, temos depoimentos de sindicalistas e de representantes da polícia – além de jornalistas. Fica nítida a ferramenta do corporativismo em relação a possíveis fiscalizações e advertências.

O “vigiar e punir” que nunca funciona de uma autoridade contra outra. Juristas, então, nos lembram que os tempos os quais vivemos possuem uma agravante. Hoje temos a regulamentação do estado de emergência, encontramos em boa parte das nações do Ocidente formas positivas de aplicação da repressão forte por parte do Estado. Isso não pode dar certo. Vindo de um país que inaugurou o processo de ascensão burguesa a partir do uso da violência – com direito à saudosa guilhotina contra o opressor da vez – a opinião pública parece ter aceitado viver em um país menos democrático para manter seus privilégios.

Em algum momento uma das pessoas faz a grande ressalva de “O Monopólio da Violência“, dizendo que o tema tem circulado mais apenas porque, na crise atual, a atuação da polícia tem afetado os brancos da periferia. Digo mais, quando bate no bolso (e não na cabeça) da classe média é que tudo isso vira pauta. Mas, por enquanto, o É Tudo Verdade acha que tem que ir lá na França buscar.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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