Ele é Demais

Ele é Demais Filme Netflix Crítica Poster

Sinopse: Em “Ele é Demais”, uma influenciadora aceita o desafio de transformar um garoto pouco popular em rei do baile.
Diretor: Mark Waters
Título Original: He’s All That (2021)
Gênero: Comédia | Romance
Duração: 1h 31min
País: EUA

Ele é Demais Filme Netflix Crítica Imagem

Isso me Dá Tik Tok Nervoso

A grande estreia da semana da Netflix é a nova versão de “Ele é Demais“, filme estrelado por Freddie Prinze Jr. que embalou a adolescência da Geração Y (e talvez da Z pela quantidade de vezes que foi reprisada na TV). A plataforma de streaming – que adora chamar para si a responsabilidade de seus lançamentos – se associa à Addison Rae, influenciadora, (agora) cantora, (agora) atriz e, sobretudo, tiktoker, a carreira mais promissora da atualidade. O longa-metragem é, antes de mais nada, uma plataforma para que ela apresente seu talento e mais uma tentativa da produção audiovisual tradicional de se associar ao fenômenos da contemporaneidade.

Addison não é apenas uma tiktoker, ela é a terceira mais popular do planeta, com mais de oitenta milhões de seguires. Quase metade deles acompanham a outra rede social de destaque, no momento ela está perto do 39M no Instagram. Iniciando seus vídeos curtos de dança em 2019, podemos dizer que ela é um fenômeno midiático, a ponto de seus pais e irmãos angariarem parte dos fãs, eu uma espécie de sucursal dos Kardashians. Para o projeto, o diretor Mark Waters foi convidado, aumentando as expectativas sobre o revisionismo crítico da trama sexista lançada em 1999 (sendo apenas esses os únicos roteiros em longas do texano R. Lee Fleming Jr. Já o cineasta foi responsável por “Meninas Malvadas” (2004) e “Sexta-Feira Muito Louca” (2003), era óbvio que ele se colocaria como uma simples ferramenta.

Tanto que “Ele é Demais” é moderno em toda a sua estrutura. Incluindo a câmera na mão, emulando a abordagem documental e persecutória que já chegou até nas comédias adolescentes – parece que para justificar o avanço tecnológico dos equipamentos de produção. Pouco inspirada nas representações, também não compromete a experiência. A vinculação aos influencers traze, enquanto possibilidade de debate sobre essas obras, a forma como os seus “influenciados” o percebem. Algo que tratamos um pouco no texto do brasileiro “Carnaval” (2021) e que aqui parece ainda mais escancarado – não apenas pela sessão do próprio filme, quanto pelo rito obrigatório de colher informações e conhecer o trabalho da jovem Addison Rae.

De início, assim que o Facebook e o Twitter foram engolidos pelo Instagram, a ideia de uma rede social de valorização da imagem parecia temerária. O medo da reprodução, em larga escala, de ideias de uma vida perfeita e de padrões de comportamento e beleza levaram um grupo de pessoas a se colocar de forma oposta. Até hoje as plataformas ainda são palcos de discursos carregados de representatividade, apesar de seus algoritmos tenderem, sempre, a levar o usuário à bolha majoritária e tóxica do padrão. Aliás, a própria Netflix possui em seu catálogo um documentário, “Coded Bias“, (2021) que fala sobre isso – e em nosso texto falamos do racismo e de outras formas de preconceito implícitas neste modus operandi.

Com o passar do tempo, boa parte das falas que traziam mensagem de empoderamento e auto aceitação foram se perdendo. O Instagram e o Tik Tok hoje são grandes mercados, vitrines em que os produtos somos nós – e aparentemente qualquer um pode ascender na carreira. O aliciamento de marcas e a necessidade de se moldar à uma modalidade de produção de conteúdo monetizável fez o giro de 180 graus para boa parte dos influenciadores maiores. Hoje eles são, sim, reprodutores de padrões e comportamentos. O filme, por sinal, traz no ato final uma mea culpa bem esfarrapada em relação a isso, com o mesmo tom “desculpa por aqueles que possam ter se sentido ofendido” do texto clássico dos stories de cancelados por inúmeros motivos. Até chegar nesse ponto, a história acha que a inversão de gênero é o suficiente para adequar-se a tempos politicamente corretos.

Paggett (Addison Rae) é uma adolescente de sucesso nas redes. Sua mãe, Anna (Rachel Leigh Cook, a Laney do “Ela é Demais” original) enfermeira de longos turnos e uma remuneração que, nos tempos modernos, é o suficiente para prover o básico para sua família, não entende como a filha consegue estar tão bem vestida e até mesmo pagar alguns boletos. Choque geracional pouco explorado, já que o caminho precisa ser desbravado para que a nova estrela possa brilhar sem concorrência. Ao descobrir a traição do namorado e virar assunto nas redes sociais tal qual a performance de Pyong Lee na primeira temporada do reality-show “Ilha Record”, ela decide apostar que consegue transformar “qualquer um” no rei do baile de formatura.

Além da subversão natural de gênero, aposentou-se “Kiss Me” do Sixpence None The Richer e elegeu-se como nova música-chiclete da obra “Carried Away” de Madison Beer e Surf Mesa. Além de Cook, retorna para o elenco adulto, Matthew Lillard (que na primeira versão interpreta Brock). Prinze Jr., pelo visto, não quis fazer parte desta roubada. O escolhido para ser transformado é Cameron (Tanner Buchanan), um garoto caracterizado como um freak do século XXI porque ouve rock clássico e assiste aos filmes de Stanley Kubrick. Ah, o grande elemento bizarro em sua vida é tentar levar um rotina bem menos conectada a ponto de, assim como os cringes, não conhecer a figura ilustre por trás do rosto de Rae.

“Ele é Demais” é apenas replicante, refaz os passos dos personagens e, tirando o plot, nenhuma outra inversão de gênero acontece. O homem será aquele que defenderá a honra da mulher pela qual se apaixonou e ela é quem o receberá LITERALMENTE em cima de um cavalo branco no clímax da obra. Quem procura os talentos da influencer, receberá aquilo que estamos acostumados atualmente. Na cena em que ela canta, um auto tune de dar inveja ao DJ Pedro Sampaio. Em resposta, o artista avisa que isso é parte de sua arte. Por fim, quando o baile começa, a cena de dança que o cinema norte-americano gosta de colocar com dançarinos talentosos e disciplinados, emula aquelas danças do Tik Tok que aparece sem que eu peça no meu Instagram e que soam ainda mais esquisitas porque meu celular está sempre no mudo.

Mas, esse é o futuro. Ou melhor, o presente. Há quem deixe de produzir conteúdo crítico para fazer um reels ou já até se adaptou a produzir para a rede social chinesa. Afinal, enquanto uma a cada três bilhões de pessoas do planeta chegam ao final desse texto, por lá milhares te prestigiarão. Com o ego em estado de graça, todos nós seguimos sendo peças desse imenso tabuleiro – e o reflexo são produções como “Ela é Demais“, chegando em mais de oitenta milhões de lares ao mesmo tempo para deixar sua mensagem padronizadora, heteronormativa e estanque com verniz de modernidade – sem fazer a gente, pelo menos, rir um pouco disso – nem pelo exagero da tirania de uma Regina George. Com oitenta milhões de fãs em potencial do filme, errada a Netflix não está.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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