Sinopse: Em “Perdas e Danos”, Darren (Michael Ealy) passa a noite com uma mulher misteriosa (Hilary Swank) durante uma crise no seu casamento com Tracie (Damaris Lewis). Após o evento, enquanto está em sua casa com a esposa, um invasor entra no local gerando uma complicada investigação policial.
Direção: Deon Taylor
Título Original: Fatale (2020)
Gênero: Thriller
Duração: 1h 42min
País: EUA
Erro de Tipo e Tipo de Erro
Chegou esta semana ao Telecine o thriller norte-americano “Perdas e Danos“. Mais um, você pode pensar. Uma narrativa que retoma o relacionamento obsessivo e abusivo praticado por uma mulher, no caso, a atriz duplamente oscarizada e uma das produtoras do longa-metragem, Hilary Swank. Mais uma, você pode pensar. De fato, o diretor Deon Taylor não coloca a inovação como função precípua de sua obra e não esconde as referências clássicas do gênero. Seja pelo título em inglês (Fatale) ou na tradução em português (idêntica à obra de Louis Malle estrelada por Juliette Binoche e Jeremy Irons em 1992), seja pela nota de produção que confirma que o elevador de carga usado no apartamento da Detetive Val Quinlan é inspirado no visual marcante de “Atração Fatal” (1987), um dos filmes mais lembrados até hoje com o mote acima mencionado.
Repetindo a parceria com o roteirista David Loughery (a dupla se uniu em 2019 com o lançamento de “Hóspede Indesejado“), a atualização da narrativa aqui parte da relação casual inter-racial que une a autoridade policial com Derrick Tyler (Michael Ealy). Ele vem do ramo esportivo e possui uma empresa que ganha espaço no mercado. Ao lado do sócio, Rafe (Mike Colter), eles avaliam a possibilidade de venda do negócio. Pesa contra o fato de serem dois homens negros reconhecidos como bem-sucedidos gestores, um tijolo no hipotético muro contra a reprodução do racismo na sociedade dos Estados Unidos.
Entretanto, a esposa de Tyler, Tracie (Damaris Lewis), parece mais ausente do que o habitual. Ela quer mais autonomia e depositar esforços da rotina na sua vida profissional. Isso acaba levando o casamento a uma pequena crise pela necessidade desse ajuste de entendimentos e comportamentos. Porém, o protagonista lidará com esse dilema da pior maneira possível. Em uma viagem sozinho a Las Vegas ele se envolve com Val. Se apresenta com um nome falso, não conta que é casado e abandona a mulher no quarto de hotel acreditando que tinha passado por uma noite sem grandes consequências.
O cineasta fará de “Perdas e Danos” uma trama de suspense simples e, além de poucos personagens, estenderá as sequências o máximo que pode. O sexo casual em Vegas, por exemplo, nos leva a uma cena em que o jogo de sedução se apresenta de maneira cadenciada – o que se refletirá no ritmo de todo o filme. Regular, é verdade, mas talvez incômodo a quem espera algum tipo de ação. Aqui o que há de mistério se desfragmenta a cada instante e a história possui dos campos de visão: o de Val e o de Derrick. Ele já sabemos que vive uma questão pontual em seu relacionamento. Ela, um pouco mais adiante, se revelará um policial que precisa se reerguer, sem a guarda da filha e com motivações pessoais e profissionais para não confiar nos outros.
O protagonismo negro não se apresenta apenas no dilema mencionado envolvendo a relação com o sócio – que saberemos que não é algo apenas focado na administração financeira do negócio deles. Quando os desdobramentos daquela noite começam a levar Tyler para um espiral de problemas, ele precisará refletir sobre seus atos de maneira diferente do que as tramas clássicas deste gênero envolvendo a branquitude. Não é tão automático para sociedade e autoridades lerem a legítima defesa daquele homem, mesmo que ele ostente um imensa propriedade e carros de luxo e apresente uma versão coerente. O recorte racial se sobrepõe ao social, como sabemos, na estrutura do racismo.
A mãe do personagem chega a aparecer em determinado momento denotando essa preocupação. Fala em “limpar o nome” porque sabe que no banco dos réus seria difícil ele ser ouvido em suas motivações e os fatos geradores das tragédias que irão se sobrepor. Ele teria que nadar um longo oceano para provar que a leitura da investigadora do caso dele estaria “contaminada” pelo contato que eles tiveram. Julgariam, inclusive, as intenções originárias em suas atitudes lá em Las Vegas. Na construção do personagem, com uma pós-produção ressaltando os olhos azuis de Ealy dava o indício e se justificarão quase ao final, quando um amigo Derrick o comparará a Stephen Curry (uma verbalização que talvez não fosse necessário, mas foi bom ser trazida pelo roteiro).
O astro da NBA ocupa há alguns anos as capas de revistas importantes vinculadas a moda e comportamento como um exemplo. Sabemos também que na carreira de atletas de alta performance e no mundo de fama e vaidade em excesso eles estão sempre no limiar do erro – o que gera junto à opinião pública ataques mais severos e a cor da pele entre como ingrediente para destilar ódio entre os racistas.
“Perdas e Danos“, por mais que traga essas camadas de forma periférica a um filme que muitos podem entender como genérico, consegue bem mais do que a enxurrada de thrillers que chegam no streaming toda semana. Seu clímax que une às referências do femme fatale um pouco de faroeste e slasher no “embate final” é mais uma confirmação de que Deon Taylor nos mostra que ser reprodutor de representações na forma não precisa gerar uma repetição preguiçosa no conteúdo.
Veja o Trailer: