Pedregulhos

Pedregulhos Filme Crítica Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: “Pedregulhos” se passa no sul da Índia, na região onde reside o grupo étnico tâmiles. Lá vive Ganapathy, um homem pobre e alcoólatra e que é movido por um sentimento de raiva inesgotável. Ele embarca com o filho pequeno para tentar reencontrar a esposa, que o deixou em virtude de seu comportamento abusivo e voltou ao vilarejo de sua família.
Direção: P.S. Vinothraj
Título Original: கூழாங்கல் (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 14min
País: Índia

Pedregulho Filme Crítica Imagem

Na  Força do Ódio

Pedregulhos“, presente na Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, é um forte drama indiano, que acompanha a trajetória de um homem enquanto produto de seu meio. A obra dirigida por P.S. Vinothraj foi a selecionada para representar o país na categoria de melhor filme internacional no Oscar 2022 e a vitória do Tigre de Ouro do Festival de Roterdã deste ano ajudou muito na visibilidade do longa-metragem, que mergulha na realidade do Sul daquele território, em especial na comunidade tâmiles.

O cineasta carrega as imagens para explorar as representações da pobre região indiana. Algo que o cinema brasileiro conhece bem como estética da fome desde os idos do Cinema Novo e que conseguiu, no fim do período da Retomada, boa receptividade nos mesmos festivais ocupados por filmes como esse. Com os mecanismos modernos de captação, um drone traça um panorama daquele espaço, uma zona árida que potencializa a ideia de que estamos em alguma cidade afastada e, de certa maneira, incomunicável.

É para lá que o protagonista viaja com seu filho de ônibus com a intenção de reencontrar a esposa, que o abandonou pois não aguentava mais a rotina de abusos e violência doméstica. Por mais que o espectador de “Pedregulhos” não seja munido de informações prévias, não veja a relação anterior, é impossível não vincular as atitudes daquele homem às suas convicções. Ele não apenas reproduz machismo e misoginia, como é quase como a materialização da ideia de uma sociedade ideal para quem propaga esses valores.

O que move o personagem é mais do que o sentimento de posse (tratado em outra obra do festival, “A Taça Partida“) e sim a certeza disso. Ele volta às origens onde a esposa buscou guarida para exercer um direito e inverte a roda do abuso a todos aqueles que se colocam em seu caminho. Quando olha para o lado, o diretor traz um ônibus totalmente alheio às regras contemporâneas, com pessoas fumando e carregando animais soltos. Gourmetiza essa abordagem colocando uma câmera no chão do coletivo, trazendo o toque de exotismo perfeito para as leituras de mostras internacionais de cinema.

O público se sente parte daquela experiência de conhecer um protagonista e um território movidos pela força do ódio. Quando ancora a narrativa no espaço onde as ações se darão, Vinothraj explora mais as dinâmicas sociais em um longo e vistoso plano-sequência, no qual ele percorre vários pontos e interage com as pessoas quase como se o  personagem fosse construído na nossa frente. Desenvolve a gênese violenta também pelo vício em álcool daquele homem e cria para seu filho um dilema envolvendo a escolha entre pai e a mãe, algo muito cruel para alguém da sua idade.

Aos poucos a obra vai conquistando pela forma técnica como representa uma odisseia raivosa. O trabalho de câmera vai oferecendo alternativas de olhares, o silêncio começa a ser usado com mais frequência e o fio condutor da narrativa se torna quase uma perseguição do pai pelo seu filho – ou um jogo de abandono do filho pelo seu pai. Essa dubiedade se reflete na forma como a montagem se coloca ou na frontalidade do homem, que vai sempre na frente; ou nas costas do menino, que vai sempre atrás.

Além dessa caminhada cada vez mais tensa, o entorno do filme mostra pessoas caçando ratos para comer ou cavando a terra em busca de água. Quando aquela história “menor”, inserida nesse contexto, vai se encaminhando para o seu fim, alguém diz que é hora de se preocupar com “problemas reais”. Ou mais urgentes. Pelo menos para os homens, na confortável posição de não sofrer abusos e violência. Talvez por essa urgência eles não se deem conta da relação de causalidade entre o comportamento dos “chefes de família” como o deste protagonista e os “problemas reais” mencionados. Esperamos que, por trás de toda a cosmética de “Pedregulhos”, o espectador à distância não tenha a mesma leitura equivocada.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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