Dolores

Dolores

Sinopse: Dolores Huerta é uma das mais importantes, embora pouco conhecidas, ativistas da história dos Estados Unidos. Co-fundadora da Farm Workers Union, contribuiu enormemente para a luta por direitos trabalhistas, igualdade racial e paridade de gênero, tornando-se uma das mais notórias feministas do século XX. O filme conta a história de uma vida dedicada à mudança social.
Direção: Peter Bratt
Título Original: Dolores (2017)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 37min
País: EUA

Dolores

Rumo ao Sol

Dolores“, dirigido por Peter Bratt e produzido por Carlos Santana, resgata a história da ativista Dolores Huerta. No auge de sua popularidade, chegou a liderar um boicote ao consumo de uvas, momento em que foi reconhecida como uma das grandes inimigas da agropecuária estadunidense. Com 90 anos completados no último mês de abril, a biografada é filha de mexicanos, mas nascida no Novo México. Exibido ao longo da programação da Mostra Ecofalante de Cinema, chama a atenção na montagem inicial o discurso direto, em que Dolores fala como o Socialismo Democrático por mudar esta grande nação do norte.

Com esses ideias ela funda a Farm Workers Union, uma associação com o objetivo de defender os direitos sociais e trabalhistas dos homens e mulheres do campo. Com o tempo, as bandeiras vão se transformando, principalmente com a popularização do uso de pesticida nas plantações. Isso faz com que a causa ambiental também perpasse pelos debates. Fortemente impactada com o movimento feminista, com direito a testemunhos de Angela Davis em mais de uma passagem do filme, Huerta adiciona na pauta o direito ao aborto e questões correlatas.

Isto porque, com depoimentos de Hilary Clinton e Barack Obama, o documentário nos faz lembrar como a pluralidade de ideias e ideologias também existe no país mais rico do mundo – apesar de não parecer. Em um ano de eleição presidencial, o leque de opções do eleitorado parece ter a mesma envergadura de sempre, um bipartidarismo extra oficializado estanque, que pende os Democratas ligeiramente para esquerda somente após uma provocação do tamanho de Donald Trump. Não fosse isso, estariam os engravatados discutindo políticas de promoção de emprego e revisão de impostos, ignorando as questões mais urgentes de uma sociedade complexa localizada em um território continental.

Um exemplo do passado aparece no documentário, quando o assassinato de Robert Kennedy revela uma grande perda para o movimento social. Ou seja, não é a primeira vez que o Partido Democrata se adequa aos anseios de uma sociedade tensionada. Foi assim nos anos 1960 e parece ser agora. A diferença é que nas cadeiras legislativas a representatividade parece fazer parte dos planos. O que não pode é haver um arrefecimento dessa escalada quando o lado supremacista, encurralado na parede, ceder um pouco. Por isso é fundamental o incentivo à cultura do voto, o que não existe nas camadas mais populares da população dos Estados Unidos.

Trabalho este que Dolores Huerta sempre desempenhou. Em certo momento, ela diz que – aos olhos preconceituosos de uma parcela dos moradores de seu país – ela nunca será considerada estadunidense. Somente com a participação direta dos negros e latinos é que essa forma de tratamento mudará. Ela precisa ocorrer de cima para baixo e, no momento, seguimos pelo caminho contrário – o da escalada de intolerância por parte dos governantes de alto escalão. Ao mesmo tempo que isso vem gerando uma imediata resposta dos grupos de invisibilizados e oprimidos que voltam a se organizar, há momentos em que atitudes concretas de afirmação não devem ser desperdiçados. E um desses momentos sempre é a eleição.

Na semana em que foi exibido na Mostra Ecofalante, publicou- se a notícia de que os jogadores da NBA colocaram como uma das condições para retornarem aos jogos (após a paralisação em protesto pela tentativa de homicídio a Jacob Blake) a disponibilização das arenas dos clubes para o processo eleitora, além de avisos de incentivo ao voto durante as partidas. Trata-se de um sinal de que há esclarecimentos e esclarecidos em alguns dos importantes agentes deste tabuleiro – e o esporte é um dos mais fundamentais pelo poder de alcance – como mensagem e atividade econômica.

Bratt, outro californiano, não quer perder tempo como contextualizações e usa quase todo o tempo de seu longa-metragem para reconstituir a história e dar voz à protagonista. “Dolores” taxa o agronegócio como um ambiente racista e xenófobo que não resolveu consigo mesmo o fim da escravidão. O ativismo nasce cedo em sua vida e ocupa grande parte de sua juventude. O documentário tem uma montagem ideal para o espectador que usa serviços de streamings com o objetivo de expandir seus horizontes em filmes de temática social. Por vezes, lembra muito obras co-produzidas ou adquiridas pela Netflix e similares. Há uma preocupação em, vez em quando, tirar o foco da personagem central e entregar, mesmo que superficialmente, entendimentos paralelos ao que está sendo dito.

O curioso é que essa lateralidade ocorre a partir dos filhos de Dolores. A princípio, eles manifestam entendimento pela mãe seguir o caminho da luta social – contrariando a ideia tacanha de que uma mulher deve ter como prioridade a casa e os filhos. São testemunhos, de certa forma, desconstruídos. O cineasta, entretanto, retoma essa abordagem mais adiante e alguns deles reconhecem que as constantes mudanças e a ausência de Dolores trouxeram problemas a eles. Essa conclusão vem logo depois que o papel da mídia na forma como a ativista era apresentada ao público revela mais uma face da misoginia norte-americana. Entrevistas em que perguntas totalmente sem sentido e impertinentes, como o que ela faria se ganhasse milhões e se ela tiraria longas férias para ficar em um spa, cuidando das unhas e do corpo.

Por sinal, Dolores Huerta faz uma opção que denota um raro senso de comunidade e empatia total com as pessoas por ela lideradas, com forte impacto em seu ambiente familiar. Seguindo a filosofia de Gandhi, ela opta por não usar o dinheiro que conseguia somente para proveito próprio e seguiu fazendo parte das vilas de trabalhadores. Mesmo com a reverberação de seu atos e até mesmo a criação de uma frase que se tornou slogan da campanha de Obama, a ativista sofreu forte apagamento. Um dos motivos é que o outro criador da associação era um homem e aos poucos a história foi contada no sentido de diminuir a atuação de Dolores. Com a inviabilidade da institucionalização das lutas sociais em um país tão selvagemente capitalista quanto os Estados Unidos, aos poucos ela foi saindo de cena. Que bom que, ainda neste plano de existência, pode ver sua vida ser apresentada a novos e potenciais ativistas.

Clique aqui e confira nossa cobertura completa da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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