31º Kinoforum | Um Olhar Latino-Americano | Sessão Fantasmagoria da Violência
Sessão Fantasmagoria da Violência
A segunda sessão do recorte latino-americano do 31º Kinoforum, denominada Sessão Fantasmagoria da Violência, nos leva a falar sobre filmes que resvalam em um de nossos gêneros favoritos: o horror. A seleção, no entanto, nos lembra que, embora o diabo possa ser uma figura mitológica (e não iremos discutir as diversas vertentes religiosas que o trazem em infinitas formas), o mal pode habitar cada um de nós.
31º Kinoforum | Um Olhar Latino-Americano | Sessão Fantasmagoria da Violência
A Boca do Diabo
(Gabriela García Rivas, 2020)
Em “A Boca do Diabo“, produção mexicana dirigida por Grabriela García Rivas, temos a impressão de transitar por sequências de “A Colheita Maldita” (clássico do terror dos anos 1980) e a série “Dark“, produto da Netflix que remete também à década de ouro do terror trash. Assim, o filme já ganha certa afinidade do espectador que lembra das madrugadas insones no final da adolescência. Como nós, o jovem Daniel sonha em fazer parte do grupinho da escola e, para isso, será necessário enfrentar seus medos.
Uma espécie de caverna no meio da floresta na qual grande parte da cidade acredita morar o diabo é o foco do grupo para medir a valentia ou não de seus integrantes. Dessa forma, Daniel fica obcecado pela ideia de chegar cada vez mais perto de sua entrada, mesmo que enfrente os gritos de sua mãe.
Rivas consegue nos conduzir em sua atmosfera de mistério sem revelar por boa parte do curta se o que dizem os moradores faz sentido ou não. A lenda urbana cresce em nossas mentes e, quando o jovem decide fugir à noite para encontrar os amigos, temos quase certeza de que o coisa ruim irá aparecer.
Ao contrário da conexão amedrontadora com capeta, Daniel tem que enfrentar a dura realidade de que o perigo está mais próximo do que imagina.
31º Kinoforum | Um Olhar Latino-Americano | Sessão Fantasmagoria da Violência
El Remanso
(Sebastián Valencia Muñoz, 2020)
O colombiano “El Remanso” mostra a família de Arnoldo em mais uma mudança. A família composta por uma mãe grávida e dois filhos, revela uma certa confusão ,possivelmente causada por seu patriarca. Em um diálogo, sua esposa dá a entender que grande parte das mudanças surgem por causa de Arnoldo, então, descontente com o local que se mostra abandonado desde o início, ela desiste de argumentar com o marido, que prefere ignorar o visível abandono do imóvel, visível em placas enferrujadas, chão batido, falta de água e poeira, muita poeira.
Aos poucos, ao limpar a casa, a filha mais velha da família, Jéssica, passa a achar ossos de animais e balas pelos quintais ao redor da casa. Na verdade, não sabemos o que faz parte do terreno da casa e o que faz parte da grande floresta que a cerca. Em sequências completamente escuras, ficam quase que inteiramente habitando as sombras. A sensação de que algo ruim está prestes a acontecer envolve cada plano. A fotografia certamente é um dos pontos fortes do filme de Sebastían Valencia Muñoz.
Momento de pausa. Essa apresentação seria suficiente para fazer com que a família se mudasse mais uma vez. No entanto, eles decidem ficar.
O clima mórbido aumenta em uma das caminhadas de Arnoldo em busca de água durante a madrugada. Será que ainda será possível negar a evidente estranheza?
31º Kinoforum | Um Olhar Latino-Americano | Sessão Fantasmagoria da Violência
Garganta
(Mauricio Maldonado. 2020)
“Garganta“, o terceiro filme da sessão foca no cotidiano do solitário Deivis. O jovem mora na floresta e em sua rotina de madeireiro sobre pouco tempo para outros sons que não os barulhos do maquinário e da floresta. Eles são muitos e têm importância central para o decorrer da narrativa.
Deivis não parece se sentir só, porém, ao achar um corpo morto na floresta, resolve levá-lo para casa e cuidar como um novo amigo. Não é a primeira vez que escutamos essa narrativa, porém o colombiano (parece que o terror pós-moderno tomou mesmo conta dos curtas colombianos) Mauricio Maldonado, consegue fazer nesse filme algo que vi poucas vezes ser bem desenhado em outros roteiros. Não sabemos mais o que é real ou o que é imaginação de Deivis.
Essa confusão vai tomando conta da tela aos poucos, com a aproximação do jovem de seu novo amigo. Ao falar com ele como se estivesse vivo, é assim que ele se apresenta na tela para nós. Sua expressão pálida aos poucos se mostra renovada, até que finalmente fala as primeiras palavras.
Depois, o que vemos é um indistinção entre realidades possíveis e imaginadas. Não importa. “Garganta” surge como um curta instigante. Para Mauricio Maldonado, um trabalho muito bem feito, para nós uma interrogação que permanece- mas nem tudo precisa ser revelado.
31º Kinoforum | Um Olhar Latino-Americano | Sessão Fantasmagoria da Violência
La Mamita
(Laura Donoso, 2019)
“La Mamita” um final digno dos demais curtas-metragens exibidos ao longo da sessão. Laura Donoso cuida para que essa produção chilena seja tensão do início ao fim.
O cenário não poderia ser melhor. Se eu tivesse que fazer um filme de suspense/terror, certamente escolheria um restaurante decadente de beira de estrada. Em seu interior somente uma senhora prestativa. Um pouco demais, talvez.
Karina, uma motorista de caminhão para no estabelecimento para esperar o motor de seu veículo voltar à uma temperatura razoável. O que acontece depois é uma espécie de jogo, como a proprietária narra ser comum aos gatos. Eles brincam com a presa antes de mata-la.
O filme esconde um medo maior e ainda vivo na cabeça dos chilenos e de grande parte dos latino-americanos, a Ditadura Militar. Ao revelar já ter feito parte dessa engrenagem, a inofensiva cozinheira, mostra-se bem mais complexa do que inicialmente imaginado.
“La Mamita” nos faz recordar do terror que nunca esquecemos e que sempre parece estar à espreita, tal qual um felino.
31º Kinoforum | Um Olhar Latino-Americano | Sessão Fantasmagoria da Violência
Ficha Técnica da Sessão Fantasmagoria da Violência
Boca do Diabo, A (La Boca del Diabo) (Gabriela García Rivas, 13′ – 2020, México)
Sinopse: Daniel é desafiado por seus colegas de classe a ir à noite para uma caverna que, segundo a população local, chega aos portões do inferno. Armado com água benta, ele vai: esta é a história de como Daniel encontra o diabo.
El Remanso (Sebastián Valencia Muñoz, 19′ – 2020, Colômbia)
Sinopse: Na esperança de um novo emprego, uma família de camponeses errantes se instala em El Remanso, uma casa de campo em ruínas, onde são visíveis as trilhas de um passado atroz. Em sua primeira noite na casa, a família espera com ansiedade a paz do amanhecer.
Garganta (Las Fauces) (Mauricio Maldonado, 15′ – 2020, Colômbia)
Sinopse: Nas encostas nebulosas de estradas misteriosamente desertas, Deivis, um adolescente isolado, encontra um corpo acidentado. Um jovem que pertence ao mundo dos mortos será a única ponte para encontrar um grupo de pessoas que porá um fim à sua solidão. O desejo de uma nova família, como um sonho dos tempos passados.
La Mamita (Laura Donoso, 13′ – 2019, Chile)
Sinopse: Karina é motorista de caminhão na estrada norte. Por problemas de motor, ela para no restaurante “La Mamita”. A descoberta acidental de uma mão humana no lixo faz Karina acreditar que as histórias da proprietária são uma premonição.
Roberta Mathias
Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.