CineOP | Mostra Histórica | Sessão Vídeo Popular
A 15ª edição da CineOP nos propõe, dentro da Mostra Histórica, alguns recortes. Um deles é a Sessão Vídeo Popular, que conta com cinco obras que transitam pela linguagem televisiva para trazer retratos de um Brasil que começava a se descobrir por essa mídia – que nos anos 1970 e 1980 atingiu seu auge de popularidade. Segue o texto curatorial geral e o índice da sessão – com pequenas análises da Apostila de Cinema sobre todas elas:
A televisão completa 70 anos de transmissão no Brasil, e a CineOP vai refletir de que maneira um veículo de comunicação de massa efêmero e dispersivo teve, ao longo do período, momentos de invenção e ousadia que permanecem referenciais no audiovisual. O recorte feito pelo curador Francis Vogner dos Reis atravessa os últimos 40 anos com objetivo de pensar parte da intrincada trama que nos trouxe até este momento político, social e midiático em que estamos.
Assim, o destaque é de programas e iniciativas que quebraram a linguagem mais convencional trabalhada pela TV nesses anos todos. Produções feitas para consumo doméstico que, de tão singulares, hoje soam como criações modernas e de vanguarda.
Índice de Fimes
(clique em seus nomes e seja direcionado ao texto)
A Luta do Povo
Brasilino
Um Preto Velho Chamado Catoni
Eleições: Lindomar Ribeiro
Amigo Urso
Ficha técnica da Sessão Vídeo Popular
CineOP | Mostra Histórica | Sessão Vídeo Popular
A Luta do Povo
(Renato Tapajós, 1980)
“A Luta do Povo” tem início no assassinato do sindicalista Santos Dias da Silva em novembro de 1979. Renato Tapajós traz uma obra, que devemos celebrar sua preservação, construída de dentro para fora. Onde a representatividade ultrapassa as manifestações dentro da tela. Em uma época onde era muito difícil não apenas a dominação dos meios de produção, mas também a liderança do discurso no audiovisual e no jornalismo. Sem espaço midiático, o movimento de luta dos trabalhadores no ABC paulista ganhou as páginas de História com a mesma rapidez na qual boa parte dos ditadores da época foram atirados à lata do lixo – mesmo que as viúvas da ditadura insistam em reciclar o chorume. Os anos 1980 e o aumento dos debates internos levaram à criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983 e vemos que, no inesquecível Primeiro de Maio Unificado (de 1979), os ideais de luta já estavam postos.
As imagens do velório de Santos são montadas com oitivas de representantes da classe e vai revelando como eventos trágicos são capazes de potencializar a conscientização acerca dos graves problemas da sociedade. No dia em que a CineOP chega ao fim, é lançado na internet um documentário sobre as sementes de Marielle Franco. Porque o que fica, ao final das crises, são as mensagens. E produções como “A Luta do Povo”, feitas no calor do momento, são fundamentais para compreender o sentimento da época, o que nos levou a seguir determinados caminhos. Muito do que está verbalizado no curta-metragem permanecem aplicáveis quase quarenta anos depois. Seguimos às voltas com a precarização do trabalho e com a tentativa de entrega das riquezas da Amazônia ao imperialismo ianque. Se o operário metalúrgico Santos Dias da Silva deixou seu legado, infelizmente quem a ele se opunha também permaneceu vivo. (Jorge Cruz)
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Brasilino
(TV Viva, 1985)
Importante marco no processo de redemocratização do Brasil, as eleições de 1985 começaram a popularizar, em sua cobertura, uma forma de mistura de humor com jornalismo. Uma abordagem de comunicação que, em momentos em que a censura arrefece, angaria muitos adeptos pelo público brasileiro. Em “Brasilino“, primeira representante da TV Viva no recorte, o repórter-personagem de Eduardo Homem está acompanhado de Indelcisio, seu parceiro de microfone vivido por Júlio Braga. Em uma reportagem de quase dez minutos, eles trazem o dia da votação para Prefeito do Recife, em um clima que – de fato – merecia a alcunha de “festa da democracia” até hoje utilizada.
Estão presentes os cabos eleitores inflamados e o senso de comunidade do brasileiros – que até a página dois consegue manter suas diferenças arquivadas enquanto toma uma cerveja na mesa do bar. Além, claro, da descontração a qual nos valemos em todos os processos transformadores da nossa sociedade. Aliás, uma forma de se levar a vida que nem sempre se reverte positivamente – a prova é a forma como estamos lidando com a atual pandemia do coronavírus. Isso nos leva ao jornalismo cômico que “Brasilino” apresenta e que teve seus primos espalhados por outros grandes centros e em outras redes da mídia hegemônica – como Ernesto Varela do ex-Marcelo Tas e o Casseta e Planeta, migrado dos tablóides universitários para o maior canal do país. Uma maneira irreverente de tratar assuntos sérios, mas que também dá voz e palanque a pessoas como o atual Presidente da República, que baseou seu plano de poder nacional a partir de um deles, o CQC – o que na semana que antecedeu a CineOP foi objeto de arrependimento de uma das ex-repórteres-comediantes, Monica Iozzi. (Jorge Cruz)
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Um Preto Velho Chamado Catoni
(Valter Filé, 1998)
A TV Maxabomba funcionou de 1986 a 2002. Projeto de televisão comunitária na Baixada Fluminense, a Maxabomba formou profissionais das mais diversas áreas do audiovisual. Além disso, promoveu um resgate de origens ao focar sua produção em temas da Baixada.
“Um Preto Velho Chamado Catoni” não é diferente. Ao abordar a vida de Sebastião Vitorino Teixeira dos Santos, mineiro de Outo Preto, que marcou o samba carioca. Tendo se radicado em Jacarepaguá, Catoni fez história ao se tornar um personalidade da Zona Oeste e conseguir reverberar sua arte para as demais partes da cidade. Conhecido como um de nossos grandes sambistas, posteriormente também tornou-se figura importante na Portela.
O documentário, em sua construção, é simples. Uma câmera parada registra histórias e músicas de Sebastião. No entanto, sua figura carismática faz com que o mesmo não se torne cansativo. Catoni faz o documentário com suas histórias e mini performances, assim a escolha de registrar o momento e não ampliar para qualquer outro tipo de narrativa parece justa.
O próprio músico tinha muito o que contar. Aliás, A TV Maxabomba em toda sua história realiza essa documentação de figuras emblemáticas do Estado do Rio de Janeiro, em um trabalho de valor que vem sendo resgatado, mas que precisa ser mais difundido e reconhecido pelo público em geral. Algumas gravações podem ser verdadeiros achados para pesquisadores e admiradores.
O filme é de Valter Filé, importante no cenário audiovisual e no cenário da agitação cultural. Filé tem como objetivo dar a conhecer a cultura do Rio de Janeiro que não é valorizada pelos grandes meios, mas causa impacto direto na vida de muitas pessoas. Transitando entra academia e o cenário da produção popular, ele tornou-se um dos nomes mais reconhecidos em ambos espaços.
Ainda que a Tv Maxabomba tenha encerrado suas produções, a marca que deixou vive em quem passou por lá. (Roberta Mathias)
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Eleições: Lindomar Ribeiro
(Valter Filé, 1990)
Seguindo a mesma discussão iniciada em “Brasilino”, “Eleições: Lindomar Ribeiro” segue outra linha dos programas que unem comédia e jornalismo: o desenvolvimento de personagens absurdos com verniz de realidade. A ideia é trazer um candidato que defende a compra oficial do voto – ou o nosso direito de vender (com direito a jingle de Bezerra da Silva) no ano de 1990. Por mais debochado que seja, ele começa sua argumentação conclamando por uma “era de liberdades”, principalmente econômicas. Quando, na verdade, o Brasil vivia uma época de hiperinflação, em que o dinheiro perdia valor mensalmente.
Com isso, Lindomar começa a questionar os populares: o quanto você cobraria para eu comprar seu voto? Por mais esdrúxulo que seja, em 2020 temos uma corrente ultraliberal (e ultra-desumanista, se pudéssemos criar um neologismo) que defende nosso direito de vender órgãos não vitais (como um dos rins ou uma córnea). Assim como o Repórter Inexperiente (que revelou o Danilo Gentilli e pedimos desculpas por citar CQC duas vezes no mesmo texto) e as abordagens do programa Pânico, há uma linha tênue entre a sátira e a realidade – aqui méritos do ator Julio Fagundes e do roteiro e direção de Valter Filé. Produzido pela TV Maxambomba, canal de relevância comunitária na Baixada Fluminense e que ficou no ar de 1986 a 2002, possui um importante trabalho de resgate de arquivo, liderado pelo CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular).
Uma época em que a malandragem da edição rápida tornava mais difícil nossa indução, mas que – no caso de “Eleições: Lindomar Ribeiro” – segue muito eficiente trinta anos depois. (Jorge Cruz)
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Amigo Urso
(TV Viva, 1985)
Encerrando um ciclo de resgate de jornalistas-personagens, em “Amigo Urso“, outro representante da TV Viva (uma das pioneiras nos ideias de canal popular), Cláudio Ferrário é o repórter Brivaldo. Também do Recife, segue um caminho aparentemente despolitizado. Traz a face do Brasil carregado de irreverência e brinca com uma suposta reportagem de jornal que diz que “todo brasileiro é corno“.
Mais próximo de brincadeiras despretensiosas, é um exercício de discussão comportamental que revela muito da sociedade que reserva aos homens um machismo travestido de orgulho. Na segunda metade, o ator se veste de mulher e entrevista representantes do gênero feminino, onde é possível registrar algumas das reproduções históricas. Um dos grandes momentos de “Amigo Urso” é a suposta dicotomia entre “ser corno e ser corrupto”, proposta por um senhor que não sabia dizer qual o pior entre eles. O reflexo de Brasil se encerra em um novo recorte social, em área mais burguesa – onde os entrevistados, de forma muito mais polida, deixam latente o que há de diferença e semelhança entre eles e representantes da camada mais popular da nação. (Jorge Cruz)
Ficha Técnica de Sessão Vídeo Popular
A Luta do Povo Renato Tapajós, 30min – 1980)
Sinopse: A partir do enterro do operário Santo Dias da Silva, o filme aborda o movimento operário entre 1978 e 1980; movimentos como Movimento contra a Carestia, Movimento das Favelas, Movimento de Saúde, Luta dos posseiros do Vale da Ribeira, o Primeiro de Maio de 1979, greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo em 1980, terminando com o 1º de maio de 1980.
Brasilino (TV Viva – A Sua Imagem/CCLF, 9min – 1985)
Sinopse: O ano de 1985 foi marcado pela emenda constitucional que possibilitaria a volta das eleições diretas nas capitais, fato que não ocorria há duas décadas. Os repórteres Brasilino (Eduardo Homem) e o Indecilsio (Júlio Braga) foram conferir o que acontece num dia de eleição no Recife.
Um Preto Velho Chamado Catoni (Valter Filé, 43min – 1998)
Sinopse: Vida e obra do grande compositor Catoni, nome importante na história do samba carioca. Representante da cultura negra que conviveu com grandes nomes como: Candeia, Silas de Oliveira, Natal, Velha Guarda da Portela. Dono de uma canto forte que soa como lamento de uma raça, suas músicas estão nas vozes de Elza Soares, Clara Nunes, Elizete Cardoso e outros.
Eleições: Lindomar Ribeiro (Valter Filé, 9min – 1990)
Sinopse: Em 1990, a TV Maxambomba “lançava” a candidatura de Lindomar Ribeiro, político que queria comprar o voto da população. A ficção dirigida por Valter Filé abordava a reação das pessoas na rua diante dessa atitude do candidato vivido pelo ator Júlio Fagundes.
Amigo Urso (TV Viva – A Sua Imagem/CCLF, 10min – 1985)
Sinopse: Todo brasileiro é corno? O povo responde ao repórter Brivaldo (ator Cláudio Ferrário) nas ruas da cidade do Recife.
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