Sinopse: Jorge Bodanzky recorre às suas memórias afetivas do período em que cursou a Universidade de Brasília para nos mostrar todo um painel da juventude na década de 60, com seus sonhos e expectativas, suas crises e projetos interrompidos.
Direção: Jorge Bodanzky
Título Original: Utopia Distopia (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Brasil
Cada um Com Sua Brasília
Em “Utopia Distopia“, o cineasta Jorge Bodanzky vai no caminho inverso daquele seguiu em “Ruivaldo, o Homem que Salvou a Terra” (2019), apresentado há dois meses na 9ª Mostra Ecofalante de Cinema. Mais do que suas impressões, o realizador coloca sua biografia a serviço do objeto de seu documentário. Acostumados a ver como se desenvolveu a região periférica do Distrito Federal ao longo das últimas décadas, o espectador mais entusiasta do audiovisual nacional tem a oportunidade de conferir, dentro da programação do Festival É Tudo Verdade, um outro olhar sobre um território gestado para ser um fragmento de Brasil.
Mais do que transferir a capital do Rio de Janeiro para Brasília, não seria o suficiente desenvolver um ambiente hermeticamente protegido de nossas mazelas. A classe política e burocratas podem até considerar aquela espaço uma zona de transição, onde – tal qual romanos adentrando ritualisticamente o Senado na época do Império – decidir o rumo de milhões de pessoas com o distanciamento e a tranquilidade de quem não será pressionado na porta. Porém, os braços dos trabalhadores são os verdadeiros construtores de uma nação. No Distrito Federal, não seria diferente.
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, muito mais capacitados do que boa parte dos governantes que conduziram nossos rumos ao longo da História, não ignoravam esta situação. Dentre os projetos fundamentais do chamado Plano Piloto estava a criação da UnB (Universidade de Brasília), já como um território onde os conhecimentos dialogassem e estivessem diretamente conectados (ao contrário de outras Universidades tradicionais, que se formaram a partir de um comunhão de cursos e faculdades, geralmente em campus espalhados por uma mesma cidade ou Estado). “Utopia Distopia“, então, nos trará a formação da elite intelectual de Brasília, que – como tudo o que a formou desde sua inauguração em 21 de abril de 1960 – precisou ser importado.
Acostumado a buscar representações do país nos mais diversos e desconhecidos território, Bodanzky está à vontade junto aos seus. Como documentarista experiente, passa longe de trazer um verniz elitista à sua obra, que tem um objeto pré-definido que lhe dá coerência e um excepcional entendimento. Contextualiza aos mais novos o conceito de felicidade e o ideal de sonho de um Brasil que, no final da década de 1950, vivia uma fase que permitia vislumbrar um futuro de muito progresso. Brasília deveria ser a cereja do bolo e não houve dificuldades em se reunir grandes mentes que rapidamente transformação a UnB em um local de referência.
“Utopia Distopia” não se vale tanto de imagens de arquivos, como é cada vez mais comum em longas-metragens do gênero. Talvez por isso, quando “Fala Brasília’, curta-metragem documental de Nelson Pereira dos Santos, aparece – por exemplo – sua força ilustrativa seja bem mais forte do que um aglomerado de referência visuais históricas que formam as produções atuais. Preocupa-se em resgatar nas relações pessoais e no seu afeto por aquele território o conceito que ele quer nos passar sobre a região. Mesmo assim, é possível aos que não conhecem, ter as referências necessárias. Uma elite intelectual que teve contato com Décio Pignatari e que viu Paulo Emílio Sales Gomes fundar o curso de audiovisual da Universidade e, depois, o tradicional Festival de Brasília.
Com a formação das cidades-satélites, o Distrito Federal pode contar com suas próprias mazelas. Não é mais aquele ambiente hermético pensado como tábua de salvação da classe política – mesmo que haja, como toda grande cidade, áreas repartidas em que os trabalhadores transitem apenas para exercer seus ofícios. Sem perceber, “Utopia Distopia” se vale de um prólogo não apenas da formação de Brasília, mas do desenvolvimento do próprio audiovisual brasileiro. Jorge Bodanzky tem uma herdeira que deu continuidade à forma de se pensar e fazer Cinema de uma classe. Mas, ali naquela região, influenciado por fortes referências de pensamento crítico, novas gerações puderam reformular esses formatos e hoje convivem harmonicamente em festivais como aquele que um dia foi de Paulo Emílio.
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