Sinopse: Meu pai ficou desempregado e a família toda precisou voltar para a antiga casa no bairro da Bresser. Minha mãe procura saídas, mas não sabe o que fazer. Enquanto isso, eu os filmo. Um dia, ela é abduzida por um estranho objeto no céu. Nossa vida continua como se nada tivesse acontecido.
Direção: Bruno Risas
Título Original: Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu (2019)
Gênero: Drama Fantástico
Duração: 1h 49min
País: Brasil
Quando a Catarse é a Exceção
O cinema já nos libertou através de guinadas narrativas, rompimentos com a lógica ou sequências deslumbrantes por muitas vezes. Aliás, podemos creditar a momentos como esses parte do nosso amor pela arte. Terremotos de Robert Altman ou sapos de Paul Thomas Anderson, guardamos essas cenas em nossa memória. A catarse parece estar sempre circundando “Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu“, obra de Bruno Risas, apresentada na Mostra Tiradentes de 2020 (e assistido na versão paulista) e que chega, no mesmo ano, ao serviço de streaming Netflix, o mais popular do país e do mundo.
Circunda porque o cineasta nos coloca em um ambiente onde resta a nós a fé pelo porvir. Seja algo mundano ou sobrenatural, o anseio do realizador na representação do cotidiano da família transita entre aceitar a imutabilidade pairando no ar e a espera de algum ponto – fora da curva, de preferência visto no céu – que os levará à redenção. Mostrando a cidade de São Paulo, o longa-metragem se inicia como uma narrativa de afastamento. No tempo, o que Risas chamava de vida, agora tem o nome de passado. No espaço, a mudança de residência causada pelo desemprego do pai com o forte abalo da morte de uma irmã. Ao mesmo tempo que o diretor, um protagonista pouco visto, vislumbra a ascensão profissional a partir da faculdade de Cinema, seus familiares parecem envoltos em um espiral sufocante de inalterabilidade e ausência de perspectiva.
Sua avó com problemas de memória, seu pai em uma letargia conformista e sua mãe que, mesmo sendo mais uma insatisfeita naquele coletivo, parece cumprir o papel que a sociedade lhe impõe, o de abraçar o mundo. Conforme Bruno encaminha “Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu” para a experiência imersiva, mais somos provocados a observar como a mistura de preocupação de uma crise econômica com o desgosto vai transformando aquelas pessoas em peças de um tabuleiro. Mantendo-se todos dentro do seu quadrado. Bruno, em mais de uma oportunidade, traz esse foco, ao mostrar sequências em que os pais, a avó e sua outra irmã entram e saem de algum cômodo sem se relacionarem. Segmentados em suas próprias vidas, embevecidos na rotina, não se olham e não falam.
É possível que essa ausência de trocas incomode o espectador que procura o tradicionalismo narrativo (não devemos esquecer que, uma semana após a publicação deste texto, o filme chega à Netflix). Risas não quer se pautar na transformação da cidade – embora haja um momento, quando o pai vai à rua, em que esse debate sobre como os pontos comerciais vinculados às artes estão desaparecendo, passe rapidamente. Também não quer voltar a si e sua trajetória profissional tão promissora. Ele eleva a residência da família ao status de território único, de cenários que não será possível maquiar, para que o público tenha acesso a um longa-metragem que nos envolve quando real e ficcional se cruzam.
O destaque do filme é justamente o contraste de uma São Paulo que não para (em uma maratona de progresso a qualquer custo) e um núcleo parental que parece sempre em suspensão. O cineasta ainda faz o jogo do próprio processo de produção da obra. Permite à mãe a leitura e a reconstrução do roteiro, por exemplo. E, também com ela, entrega a cena mais bonita do longa-metragem – quando a diretora de fotografia é interpelada. Bruno, que trabalhou na fotografia de “Era o Hotel Cambrige” (2016) e “A Rosa Azul de Novalis” (2018) faz uma marcação e um enquadramento perfeito para dar ao espectador a experiência do “filme dentro do filme”. Um breve momento, porém, muito interessante.
Até que a grande cena chega – ou deveria chegar. “Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu” não se preocupa em antecipar conclusões, porque sabe que o amante do audiovisual sempre espera a catarse. Todavia, após essa longa observação inquietante, de um conjunto de rotinas que se sobrepõem mas não dialogam, o diretor provavelmente te deixe a ver navios – ou naves. Em uma cansativa experiência de dirigir a própria família, a libertação da mãe talvez seja dizer ao filho o que está engasgado em sua garganta. Por isso, o público tem à sua frente várias leituras sobre uma redenção dentro da obra. Ela pode ser invisível, silenciosa ou inexistente. Para aqueles que polianamente acreditam na onda perfeita, destruidora e – ao mesmo tempo – renovadora, Bruno Risas entrega uma dose de esperança. Já pra os pessimistas-realistas (de fato, esta é uma zona nebulosa), ele entrega uma fonte inesgotável.
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