Artigo | A Vitória da Criação sobre o encerramento da 24ª Mostra Tiradentes.
Artigo | A Vitória da Criação
A Vitória da Criação
A premiação da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, ocorrida na noite do dia 30 de janeiro, após uma semana de evento, foi emocionante, como qualquer premiação. No entanto, pairava no ar algo característico da Mostra que se refletiu nos filmes premiados. A diversidade, em todos os sentidos que essa palavra possa abarcar, já tinha sido parte da seleção do festival, que contou com curadoria de Camila Vieira, Felipe André Silva e Tatiana Carvalho Costa para os curtas-metragens e Lila Foster e Francis Vogner dos Reis para os longas-metragens.
Apresentada por Érica Vieira, desde o início a cerimônia também ressaltou sua missão de revelar e reverberar as obras de cineastas brasileiros iniciantes. Foram 114 filme no total e, mesmo sem o incontestável calor humano esperado por todos que frequentam Tiradentes, a sensibilidade tomou conta da sala virtual. Premiando a Mostra Foco, Mostra Aurora e Mostra Olhos Livres, as apostas começaram desde o início no chat disponibilizado para críticos e espectadores da Mostra.
Com quase uma hora de cerimônia, o primeiro ganhador revelado foi o de melhor curta-metragem da Mostra Foco. O Júri oficial foi composto por Graciela Guarani, Ivone Margules, Leonardo Bonfim, Mariana Souto e Soraia Martins (a quem ficou a função de anunciar o vencedor). O Troféu Barroco foi entregue a uma produção que podemos entender como futurística e distópica: “Abjetas 288“. Já no discurso de Soraia, a confirmação de que a obra foi escolhida por sua característica política, que se apresenta não somente na temática, como também em sua estética. A montagem foi ressaltada como um dos destaques. Bastante surpresas, as realizadoras Júlia da Costa e Renata Mourão pouco conseguiram falar, mas nem precisavam. O filme já diz muito por si e aconselhamos que, quem tiver a oportunidade, veja em algum festival durante o ano. Certamente ainda terá vida longa no cenário nacional (e, quem sabe, no internacional?)
Seguido pelo prêmio de melhor curta-metragem da Mostra Foco pelo júri do Canal Brasil (o Prêmio Canal Brasil de Curtas). Este contou com um júri de jornalistas especializados: Brenda Lara, Cassio Estarlin Carlos e Miguel Arcanjo. O troféu, que inclui também o direito de fazer parte da programação do canal, foi anunciado por Brenda Lara. O ganhador por unanimidade foi “4 Bilhões de Infinitos“, de Marco Antônio Pereira. O diretor já havia participado como concorrente outras vezes, mas dessa vez, a poética do filme que traz a visão de duas crianças sobre o cinema, fez com que a obra se destacasse. Todavia, precisarmos enfatizar que todos as produções do festival vêm com força e prometem trilhar caminhos vitoriosos em outros espaços. O discurso de Marco Antônio foi focado na dificuldade da produção nacional em um ano atípico por conta da pandemia, mas também das dificuldades para se conseguir verbas e financiamentos. O cinema nacional, entretanto, resiste e “4 Bilhões de Infinitos” é prova disso.
O prêmio Carlos Reinchenbach de melhor filme Mostra de Longa Olhos Livres foi decidido por um júri de estudantes universitários que saíram de oficina promovida pela Universo Produção: Ana Júlia Silvino, Anália Alencar, Lorena Rocha, Manu Silveti e Rodrigo Sampaio Cauí.
Aqui, faremos uma breve pausa na premiação em si para destacar dois fatores essenciais da Mostra de Cinema de Tiradentes. O primeiro é a oficina de formação, que é apenas entre muitas ofertadas durantes os eventos da Universo, que se propõe a ser um espaço de formação no sentido amplo. Assim, alguns espectadores já saíram das oficinas e se tornaram grandes cineastas (como a própria CEO e organizadora do evento, Raquel Hallak, nos disse em entrevista). Mesmo que esse não seja o objetivo principal e único, em um país que vive o retrocesso em sua educação, ter um espaço de troca é motivo para nos alegrarmos.
Bom, o segundo é a maioria de mulheres no júri jovem. Sabemos, infelizmente, que a arte ainda é um ambiente elitista e machista e ver esse número de mulheres em um júri composto por pessoas que ainda estão na graduação é um refresco para aqueles que buscam equidade e representação.
Dito isto, o júri da Mostra Olhos Livres escolheu entregar o Troféu Barroco para “Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Essa Terra é Nossa!” de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero. Em um discurso de Lorena Rocha, Ana Julia Silvino, Rodrigo Sampaio Cahui, Anália Alencar e Manu Silvei produzido e declamado coletivamente (decisão mais que acertada) foi tudo aquilo que nós, um pouco mais velhos, esperamos da geração que vem olhar, ver e produzir discursos e imagens sobre o mundo.
A produção foi premiada em consonância com todo discurso produzido pelos jovens. Um filme dirigido por “homens brancos” e índios expondo as condições precárias dos verdadeiros donos dessa terra. A palavra, nesse caso, ficou com Roberto Romero que, muito emocionado, disse o que sabemos, porém não queremos ouvir ou ver: os indígenas desse país continuam a lutar por terras que são, de direito, de sua população. Pouco sabemos sobre as diferenças entre tribos, localizações. Queremos saber? Filmes como “Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Essa Terra é Nossa!” são necessários para fazer como que essas realidades se aproximem de nossos corpos, mesmo que seja através de uma tela. Tê-lo produzido com indígenas só mais uma das palavras que, talvez, seja mais utilizada pela Apostila: respeito.
O seguinte prêmio, precisamos admitir, foi para uma de nossas apostas. O Prêmio Helena Ignez, criado na 20º edição do Festival, como disse a apresentadora Erica Vieira, é apenas concedido para mulheres que se destacaram no cenário nacional. Como sabemos, infelizmente, esse tipo de valorização isolada, ainda se faz necessária. Em 2021, quem ganhou o Helena Ignez foi uma diretora estreante em longas-metragens, mas que escreveu um roteiro primoroso e conseguiu trabalhar com cada ator um grau de complexidade bastante maduro para quem está à frente de um longa pela primeira vez. Esse ano foi de Ana Johann, de “A Mesma Parte de um Homem“, que ganhou o prêmio e fez aniversário no mesmo dia. O filme de Johann é um dos destaques da Apostila tanto pelo roteiro como pela maneia como a câmera parece flutuar em um ambiente pesado e masculino. A atuação das duas protagonistas, Clarissa Kiste e Laís Cristina. “A Mesma Parte de um Homem” é, por fim, nossa homenagem a todas as mulheres da indústria audiovisual que perseveram apesar dos pesares.
O melhor longa-metragem da Mostra Aurora, um dos anúncios mais esperados, foi para “Açucena” de Isaac Donato. Filme também muito apreciado pela Apostila (ali do ladinho de “O Cerco“, “Kevin” e “Eu, Empresa“), “Açucena” se desvela pela lentidão. Tratando-se de um tema que comunga com as religiões afro-brasileiras, o filme deixa que o ritmo do terreiro o leve. E, qualquer um que já adentrou um terreiro sabe que ali o tempo é outro. É o tempo dos Orixás. O tempo do sem tempo. Com muita delicadeza, Isaac faz esse tempo se transpor em nossa frente. Açucena vem quando lhe é permitido. E, o encantamento se faz.
Graciela Guarani foi a escolhida para anunciar Açucena e todo seu discurso é pautado pela sensibilidade que o filme traz. Não poderíamos jamais discordar. Saldem os Erês.
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Assista ao Apostila Festivais de encerramento da 24ª Mostra Tiradentes, com a participação especial de Renato Silveira e Raquel Gomes, do Cinematório:
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