A Bolsa ou a Vida

A Bolsa ou a Vida Documentário Silvio Tender Filme Crítica Pôster

10ª Mostra Ecofalante de CinemaSinopse: No futuro pós-pandemia da covid-19, a centralidade será o cassino financeiro e a acumulação de riqueza por uma elite ou uma vida de qualidade para todos, com menos desigualdade? O Estado mínimo se mostrou capaz de atender ao coletivo? Como garantir a vida sem direitos sociais e trabalhistas? Em qual modelo de sociedade queremos viver? O filme aborda o desmonte do conceito de bem-estar social e nos faz refletir sobre a incompatibilidade do neoliberalismo com um projeto humanista de sociedade.
Direção: Silvio Tendler
Título Original: A Bolsa ou a Vida (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 42min
País: Brasil

A Bolsa ou a Vida Documentário Silvio Tender Filme Crítica Imagem

O Berrante de Tendler

Como o Brasil seria um lugar mais justo e igualitário se vozes ou discursos em imagens como os de Silvio Tendler tivessem o poder de difusão e engajamento que os mitos da contemporaneidade. O cineasta, “A Bolsa ou a Vida“, mais uma vez consegue costurar uma obra ao mesmo tempo panorâmica e assertiva nas complexidades da sociedade. Em outros textos e programas na Apostila de Cinema costumo mencionar como “Utopia e Barbárie” (2009), assistido em uma sessão despretensiosa na tarde de um dia de semana no Ponto Cine, me fez repensar parte de minhas opiniões. Quase como uma lanterna dentro de um túnel.

Quem imaginava que a pandemia de covid-19 tiraria o ímpeto realizador do diretor, se enganou. Quando o mundo entrou em isolamento social – que parece eterno para aqueles dispostos a se proteger – Tendler estava prestes a colocar em circuito “Nas Asas da Pan Am” (2020). Exibições especiais na Cinemateca do MAM aconteciam e os amigos e admiradores mais próximos já presenciavam o recente trabalho. Assisti durante a Mostra SP de 2020 – um dos filmes que não viraram texto por força da estafa que a maratona, que agora se repete no segundo semestre de 2021, levou a uma pequena estafa no mês de novembro.

Oportunidades não faltarão porque as obras de Silvio merecem ser vistas e revistas sempre que possível. Feitas enquanto cápsulas do tempo, atiradas no oceano audiovisual de ideias, são percebidas de formas distintas de acordo com o momento e as turbulências políticas, econômicas e sociais desta nação. “A Bolsa ou a Vida“, que ele acaba de finalizar e fica disponível em janela especial na programação da 10ª Mostra Ecofalante de Cinema, é a prova de que ele será sempre capaz de se reinventar. De uma escola que nasceu pronta para absorver o que gosto de chamar de Cinema Possível, que sobrevive nos tempos mais duros de desmonte e perseguição, o qual estamos nos aprofundando agora.

Reunindo importantes nomes de um olhar crítico sobre a sociedade, ele constrói à distância um documentário disposto a escancarar o atoleiro no qual o gado bolsonarista nos levou. De forma consciente, ele define o filme como um manifesto, o documento de uma época – para, nos créditos finais, registrar sua torcida para que se torne passado com brevidade. Infelizmente, a tendência não é essa – como não foi com “Utopia e Barbárie”. Parece que parte de “A Bolsa ou a Vida” é também premonitório. Um dos rostos da nova geração de ativista, Thiago Ávilla, aparece ao final como um daqueles com falas propositivas.

Suas ideias alinhadas ao Ecossocialismo é, sim, uma das chances para que o capital especulativo – a face mais cruel do sistema econômico no qual estamos inseridos – seja, pelo menos em parte, derrotado. Até chegar nesse ponto, o documentário é montado a partir de entrevistas em chamadas de vídeo e produções de imagens das cinco regiões do país, na melhor face colaborativa que o Cinema Brasileiro consagrou. Um pouco o que Ai Weiwei fez em “Coronation” (2020) – em que a forma de combate à pandemia na China é analisada pelas liberdades individuais de seus cidadãos.

Desfilam por “A Bolsa ou a Vida” desde Ailton Krenak e Mauro Morelli – autoridades que ganharam ainda mais visibilidade em transmissões ao vivo nos últimos meses – a Rita Von Hunty e o Padre Julio Lancellotti, que usam os meios de comunicação modernos e as redes sociais como ferramentas de reflexão (o segundo mencionamos ontem, na abertura da Ecofalante, em nosso texto sobre “O Novo Evangelho“). No mosaico sobre a destruição, o longa-metragem fala de cultura, sociedade, patrimônio, meio ambiente, direitos individuais e coletivos – tudo pela ótica do Capital, que escala até o time adversário.

Economistas contrapõem as infinitas promessas de reformas legislativas, que tiram garantias de trabalhadores e contribuintes, para mostrar o quão perigoso é o avanço neoliberal que precariza nossas relações. Já Yanis Varoufakis, personagem principal da ficção de Costa-Gavras, “Jogo do Poder” (que também fará parte da Ecofalante e também é imperdível), é um daqueles que – no contexto do poder – fala de seus palanques o quanto o Capitalismo precisa morrer com urgência. Ao seu lado, outro mestre do Cinema, Ken Loach, em fala direcionada a nós durante o último Festival de Brasília – que teve curadoria de Silvio Tendler.

Todavia, mais do que esses encontros geracionais, que vão de ativistas e autoridades consolidadas até novos talentos com seus poderes de comunicação, a grande figura do filme é Eduarda Alberto. A estudante de Arquitetura e Urbanismo, moradora de Nova Iguaçu, que precisa se dividir entre a Universidade e as entregas de moto em um aplicativo, fala com propriedade porque ela é a personificação da crise que nos assola. De posse da câmera, discursa nas calçadas sobre seus medos, anseios e as dificuldades de equilibrar sonhos, interesses e necessidades. Apresenta uma consciência profunda sobre o assunto – mas não deixa de criar esperanças quando uma chance melhor de renda surge. Em parte, vitória do Capital.

Como não poderia deixar de ser, as teias se entrelaçam e nos levam dos centros urbanos às questões envolvendo a agricultura familiar. Se saber se um dia nossas máscaras mofarão nas gavetas, outros problemas surgem no horizonte, em verões e invernos atípicos neste ano 2 do Fim do Mundo. “A Bolsa ou a Vida“, focado em nossos dramas domésticos, aparece de forma a nos golpear. Ou, para os mais jovens ou menos informados, de ser uma nova lanterna neste túnel ainda mais tenebroso em que vivemos. Para que eles entendam que, se nós não nos movimentarmos, o Capitalismo sempre vencerá.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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