Sinopse: Sendo filha de um dos principais nomes da sua geração do cinema colombiano, Mercedes escolhe trabalhar na mesma área. Na medida em que acompanha as filmagens do novo trabalho do pai, sua câmera discreta parece descobrir nele aspectos talvez desconhecidos e outros intencionalmente ignorados por ela desde a infância. Entre imagens atuais e antigos vídeos familiares, “A Calmaria Depois da Tempestade” confronta o dilema sobre como encarar de frente as falhas e pontos cegos naqueles mais próximos de nós, sem abrir mão do amor e da admiração. Deste processo resulta um sentimento mais forte, pois agora nuançado, ou algo se racha de vez?
Direção: Mercedes Gaviria Jaramillo
Título Original: Como el Cielo Después de Llover (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 15min
País: Colômbia
Voo de Reconhecimento
“A Calmaria Depois da Tempestade“, dirigido por Mercedes Gaviria e exibido na mostra Outros Olhares do 10º Olhar Cinema, trata de forma um pouco diferente a produção (reprodução e ressignificação) de memórias se comparado com outras produções do festival. E também na maneira como ela media as imagens e as contrapõem com suas lembranças e construção de família. Com diversos trabalhos em desenhos de som do audiovisual contemporâneo, ela é filha de Victor Gaviria, um dos cineastas mais importantes da Colômbia nas últimas décadas.
Por um lado, ela faz um projeto de investigação em seus arquivos. Desde que foi estudar Cinema em Buenos Aires, seu voo para longe do ninho parental foi importante para construção de personalidade enquanto realizadora. Mal comparando, é um pouco o que filho de Michael Schumacher lamenta no documentário “Schumacher” (2021), que estreou há algumas semanas. A despeito das dinâmicas geracionais que se formatam pelo contraponto natural, pela resistência rebelde, a vida adulta nos permite compreender melhor nossos pais. Quando desempenhamos o mesmo ofício deles, essa empatia é ainda mais forte.
Veja o Trailer:
Portanto, a diretora se estabelece no set de filmagens de um novo trabalho de Victor, uma ficção que conta a história de uma mulher que sofria abusos de seu marido (e que virou “La Mujer del Animal“, exibido em 2016 no Festival de Toronto). Uma obra que exige ética e cuidado nas representações, pela reconstituição violenta que o cineasta deseja imprimir. Ao ponto do irmão de Mercedes questionar esse aspecto. Portanto, as imagens foram produzidas há mais de cinco anos, assim que a formação audiovisual dela foi concluído. Se seguisse apenas essa linha narrativa, “A Calmaria Depois da Tempestade” dialogaria muito com “A Verdade Interior” (2019), trabalho da atriz argentina Sofia Brito sob o projeto de “Telemundo” (2019), liderado por James Benning.
Todavia, aqui a observação não coloca o homem como o protagonista – e as intervenções da mulher são bem menos participativa, chegando a um resultado menos performático. Além do mais, há outras óticas possíveis nessa investigação sobre quais elementos da própria trajetória impactaram em quem ela é hoje. Um exemplo é a mãe, antropóloga que começou a escrever para a filha logo no início da vida de Mercedes. Uma dose de afetividade que, somados aos arquivos que ela guarda desde criança, dão um ritmo particular para o longa-metragem. Uma leitura típica de quem tem o talento herdado, mas sabe que ocupa uma posição de privilégio por se manter em um setor que a geração anterior desbravou.
Na conversa com Eduardo Valente publicada no canal oficial do Olhar de Cinema (e que você pode assistir ao final da crítica), a cineasta chama a atenção para certos antagonismos entre as áreas de interesse dela e do pai dentro do audiovisual. A jovem Gaviria parece disposta a desenvolver projetos com pés fincados na realidade, construções orgânicas, enquanto o veterano Gaviria prima pela fantasia, pela ficção. Sem qualquer juízo de valor sobre aquilo que o pai desenvolve, o documentário parece um pouco um jogo de pistas invertidas (já que fornecidas ao final). Ainda nos brinda com uma das raras descobertas musicais que o denso cinema contemporâneo nos permite na canção “El Sol Quema Adentro”, da banda Pulp Oplup.
O índice remissivo que encerra “A Calmaria Depois da Tempestade” fornece percepções de montagem do que Mercedes imagina enquanto corte final. Ali ela dá a entender que almeja que sua criação siga dois caminhos. A da releitura das privativas lembranças pela arquivologia familiar e a construção de novas memórias. Da mesma forma que as gravações caseiras da infância são reinterpretadas agora, a edição das captações recentes são colocadas de forma fluida, para que uma nova Gaviria dê um novo olhar assim que se sentir confortável. Apostaria que essa história não termina por aqui.
Assista à conversa entre Eduardo Valente e Mercedes Gaviria sobre “A Calmaria Depois da Tempestade”: