Sinopse: Em “A Casa do Sorriso”, um casal septuagenário, residente em um asilo, sente-se atraído um pelo outro – e seus colegas desaprovam seu relacionamento.
Direção: Marco Ferreri
Título Original: La Casa del Sorriso (1991)
Gênero: Drama | Romance
Duração: 1h 50min
País: Itália
Contra Todos
Vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim de 1991, “A Casa do Sorriso” foi um dos últimos longas-metragens dirigido por Marco Ferreri. À época com mais de sessenta anos, parecia querer trazer um pouco das representações do que ele idealizava enquanto velhice. Um filme sobre o crepúsculo da vida e que já traz consigo aspectos sobre o preconceito diante dos mais velhos e sua busca por afeto – algo pouco naturalizado pela sociedade, que sempre os vê como pessoas em transição.
Na trama, Adelina (Ingrid Thulin) é levada a uma casa de repouso após sua nora se negar a ajudá-la. Seu filho acaba de falecer e deixa um neto, que terá contato com a avó nas esporádicas visitas de final de semana. Ela, então, multiplamente vulnerável, conhece Andrea (Dado Ruspoli), outro residente do asilo, por quem se apaixona. Curioso que o início do arco narrativo nos levas pelos caminhos tradicionais das comédias familiares italianas. Diálogos gritados, gestos exagerados e com a contribuição da pulsante música dos Gipsy Kings, de origem espanhola, à época no auge do sucesso (“Bamboleo” e “Volare” estouraram dois anos antes no mundo tudo, inclusive no Brasil a partir da novela “Quem Rei Sou Eu?“).
Há um valor sentimental perceptível aqui, que se alinha com o estilo de produções europeias da época, pensada para o circuito dos festivais mais aclamados do continente. Talvez por isso “A Casa do Sorriso” se perca nas listas dos ganhadores de Berlim, Cannes e Veneza dos anos 1980 e 1990 – já que podemos apontar entre eles um leque de semelhanças. Entretanto, dado o distanciamento de trinta anos, alguns aspectos sociais chamam a atenção, um frescor na abordagem e na narrativa contemporânea que poderá agradar quem se indispor a visitar a obra – mas, tropeçam no anacronismo de certas representações.
A primeira, e possivelmente simplória para o espectador, é a conexão astral tão em voga. Basta dizer que Andrea é um leonino e Adelina uma sagitariana para compreender o quê da personalidade de cada um o cineasta quer chamar a atenção com a informação. Um homem com o ego ferido, porém, de vaidade inabalável pela idade avançada. Uma mulher disposta a se jogar na vida – mesmo que confinada em um espaço controlado. Já a maneira como sua nora a usa como peça, retornando ao seu convívio apenas para que ela assinasse a venda de um imóvel, antecipava a maneira como – diante de expectativas de vida cada vez maiores – o respeito e a dignidade para com os idosos é colocado de lado por interesses financeiros. Como já mencionamos acima, há quem os veja como seres em transição, em virtude da morte soar como algo mais próximo – quando, na verdade, é fruto do imponderável.
Thulin, uma das vencedoras do prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes de 1958 por “No Limiar da Vida” (1958) e indicada ao BAFTA em 1974 por “Gritos e Sussurros” (1972), ambos de Ingmar Bergman, vive uma senhora que ainda é lembrada pelo título de Miss Sorriso de 1947. Deste ponto, uma comédia situacional improvável acontece. O que parecia ser uma aventura de um casal frente a uma sociedade que quer continuar julgando seu comportamento, vira um humor mais leve, que usa os dentes de Adelina como parte importante da história.
Porém, nem tudo sobreviveu ao tempo no longa-metragem. Ferreri cria um alívio cômico atravessado pela representação exótica da ala da enfermaria do asilo. Com profissionais, em sua maioria, descendentes ou imigrantes africanos, essas sequências são acompanhadas de uma constante trilha sonora tribal, uma caricatura excessiva, talvez simulando a entrada em um ambiente menos “civilizado”. Involuntário ou não, hoje soa de muito mal gosto aos nossos olhares. Além disso, não se reveste de qualquer objetividade dentro do arco narrativo, o que parece ainda mais um caco mal colocado para provocar um riso que não chega perto de apontar no rosto.
A partir do momento em que convenciona um exagero e coloca uma situação em que a protagonista precisa falsear suas atitudes, “A Casa do Sorriso” se torna hiperbólico, flerta com o apelativo ao colocar uma enfermeira fazendo um strip-tease fetichista apenas baseado no “tudo é possível”. Formas de tornar a comédia que se coloca no ato final, quando retorna o foco à dupla principal, mais rasgada.
A sagitariana atacada em sua honra ao ter seus dentes perfeitos e premiados comprometidos. O leonino que sabe o peso deste ataca à vaidade na rotina. A associação amorosa ganha um peso ainda maior por conta desse desafio que surge. Todavia, a conclusão nos lembra que nem sempre a paixão se manifestará de forma perene. Ela pode ser furtiva – e mesmo assim ser incrível.
Ouça “Amor D’un Dia”, dos Gipsy Kings: