A Nuvem

A Nuvem Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “A Nuvem”, para salvar sua fazenda da falência, uma mãe solo cria gafanhotos comestíveis e desenvolve um estranho vínculo obsessivo com eles. Ela precisa enfrentar a hostilidade dos camponeses da região e de seus filhos que não a reconhecem mais.
Direção: Just Philippot
Título Original: La Nuée (2021)
Gênero: Drama | Fantasia | Terror
Duração: 1h 41min
País: França

A Nuvem Crítica Filme Netflix Imagem

O Prazer de Comer Insetos

Envolto a imprevisíveis transformações sociais e ambientais, não há terror atualmente que não flerte com o real. A forma como a produção francesa “A Nuvem“, uma das estreias da semana no catálogo da Netflix se apresenta, faz com que aqueles que não se conectem com sua proposta a qualifiquem como uma “narrativa vazia”. Entretanto, nas entrelinhas e entreplanos costurados pelo cineasta Just Philippot há bem mais do que o terror baseado no medo do desconhecido. Há também uma estrutura familiar em frangalhos, perdida em um leque de crises, que vão da economia ao clima.

O filme conta a história de Virginie (Suliane Brahim), matriarca que decide criar gafanhotos na residência da família. Sua filha adolescente, Laura (Marie Narbonne) começa a dar sinais da rebeldia inerente à idade. Vive em pé de guerra com a mãe e com o irmão mais novo, Gastón (Raphael Romand). Este, por sua vez, parece receber uma carga de proteção maior da protagonista, que vai sendo consumida (quem assistiu, sabe) pelo desejo de ampliar as perspectivas de futuro naquele lugar.

A Nuvem” é uma obra de manutenção de expectativa, por isso é natural que aqueles que buscam dinamismo ou um trama justificável na ponta final se decepcionem. Aliás, a necessidade de um juízo valorativo tem feito boa parte das pessoas ignorarem as convenções dos próprios filmes e seguir medindo em régua própria. Aqui a proposta é clara e envolve a possibilidade de uma mutação rápida dos insetos, que os tornam mais resistentes e também mais vorazes. Na busca pela eficiência produtiva, para atender a um mercado consumidor que nem a própria empreendedora sabe qual é, ela se torna vítima das próprias manipulações – e não aceita a lógica precarizante de remuneração de seu trabalho.

Com isso, temos aqui uma história que trata das consequências da selvageria que se tornou a sociedade. Todos inseridos em uma complexa roda globalizante, com atos que geram implicações incomensuráveis – ao mesmo tempo que vivemos uma angústia pelas incertezas do dia seguinte. Aliás, a questão envolvendo a maternidade – mesmo aparecendo de forma atravessada – ganha a magnitude necessária para ser o tema principal da obra. Virginie é daquelas dispostas a se sacrificar pelo futuro dos filhos, seja em qual medida representativa isso signifique.

Todavia, aquela família padece de poder de comunicação. É a mãe que omite do filho a morte de um animal pelo receio de lhe trazer dor. É a filha que não questiona a cena preocupante que acabou de presenciar envolvendo a integridade física desta mesma mãe. A resistência da mulher em vender a fazenda e gerar um recomeço também é parte do medo de um desconhecido – de outro desconhecido, que envolve uma nova comunidade e um novo espaço em que ela talvez não tenha a mesma força protetora para com Laura e Gastón.

O longa-metragem acaba servindo bem para a realidade do espectador brasileiro. Em uma fase em que chovem notícias sobre as dificuldades de se manter uma economia doméstica saudável, a mídia hegemônica segue seu expediente de romantizar a crise alimentar que nos envolve. Não lembramos há quantas década não comemos tão mal, em regimes de carga proteica cada vez mais insuficientes. Os gafanhotos da fazenda podem ser parte da solução, mas será que a Natureza aguentaria uma manipulação de seu sistema com tanta urgência?

Se pensarmos com uma amplitude maior, experiências quase tão aterrorizantes quanto a identificada em “A Nuvem” podem estar ocorrendo em diversos locais ao redor do globo. Aqui está o ponto do imaginado, da fantasia que – carregada de uma dose de distopia – ainda nos assusta pelo tal medo do desconhecido. Porém, Philippot também acha espaço enquanto linguagem para arrepiar o público com representações bem mais reais. É quando o horror ganha forma em ataques do bando e nas atitudes de Virginie que vai até o fim na sua esperança para que tudo dê certo.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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