Depois da Primavera

Depois da Primavera Filme Documentário Crítica Pôster

Sinopse: Os irmãos sírios Adel e Hadi Bakkour saem às ruas do Rio de Janeiro lutando pela democracia no país onde escolheram morar. A história se repete: antes eles tinham que deixar Aleppo para protestar pela liberdade. Voltar ele herdou sua mãe, Lawahez, e seu pai, Abdo. A família é reunida seis anos após a separação, em um Brasil em transformação.
Direção: Isabel Joffily e Pedro Rossi
Título Original: Depois da Primavera (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 20min
País: Brasil

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Longa Experiência Cidadã

No início da década passada, o povo foi às ruas em diversas partes do mundo. Com pautas um pouco indefinidas, com lideranças em formação e usando ferramentas midiáticas e de comunicação muito novas, a espontaneidade desses movimentos foi apaixonante – e, em quase todos os casos, seus resultados foram catastróficos. “Depois da Primavera” promove – a partir daquela série de eventos – intercâmbios e reencontros, territoriais e familiares. O documentário, dirigido por Isabel Joffily e Pedro Rossi e exibido na programação da edição especial 2020 da Première Brasil do Festival do Rio, acompanha a realidade da família Bakkour, que tem os jovens Adel e Hadi morando no Rio de Janeiro enquanto refugiados sírios.

A condução do filme segue, em sua primeira metade, o viés observatório. Os dois homens são parte de uma realidade que passa diante dos olhos da população dos grandes centros urbanos com a mesma tonalidade invisibilizada de outras mazelas. Após a ascensão do Estado Islâmico, como resposta antagônica à Primavera Árabe em seu país, os dois se estabelecem no Brasil, uma das poucas nações que aceitaram os opositores e exilados do regime de Bashar Al-Assad. Usando os meios modernos e tecnológicos de contato com os familiares, Adel e Hadi estão sempre falando com seus pais, que tentam visitá-los em terras brasileiras.

Mais adiante, quando a família estará junta, um dos aspectos dos debates captados pelos cineastas remonta ao uso das redes sociais como forma de mobilização. Algo que se tornou a grande forma de impulsionamento dos levantes populares para, logo em seguida, também servir como forma de cooptação. Em um distanciamento histórico que não conseguimos ainda afirmar de qual densidade, parece que ali começamos uma trajetória de penetração da era da pós-verdade nos meandros da sociedade – a partir do uso nocivo das novas mídias. O que deveria ser a grande forma de trocarmos informações, conhecimentos e criação de uma rede mundial de auxílio e desenvolvimento supranacional, mais uma vez virou panfleto fascista.

“Depois da Primavera”, então, surge como um olhar apurado de quem viveu duas realidades, conflitantes sob determinados aspectos e similares por outros pontos de vista. As falas dos protagonistas aparecem na montagem de forma a apresentá-los sem que seja da forma tradicional, de narrativas de memórias. Aparece, por exemplo, nas percepções dos dois sobre a ideia de direita e esquerda – refletida na forma como o golpe antidemocrático se deu no Brasil em 2016. Já as captações de conversas com a família parecem colocar luz sobre a dúvida dos mais atentos, que sempre querem saber quem são aquelas pessoas por trás do idioma árabe falado com tanta intensidade pelos seus celulares.

Em 2018, nossa sociedade demonstrou um pouco mais de atenção sobre o debate envolvendo os refugiados sírios. Reflexo da participação do, hoje ator naturalizado, Kaysar Dadour na 18ª edição do Big Brother Brasil. No ano seguinte, em uma releitura bem menos exotizada do Oriente Médio em relação às telenovelas de outros tempos, as dramaturgas Duca Rachid e Thelma Guedes levaram para o horário nobre da Globo “Órfãos da Terra“. Enquanto isso acontecia, Adel e Hadi estavam lutando para ir além de sua aceitação no território brasileiro enquanto refugiados.

Mais do que ações afirmativas, são fundamentais as medidas inclusivas. Para além da naturalização, que permite o exercício da cidadania, os personagens do documentários se mostram dispostos a lutar contra o retrocesso da comunidade onde estão inseridos antes mesmo de qualquer documentação que supostamente as legitimasse. As eleições de 2018, neste caso, seriam quase que o ato final do ciclo iniciado na Primavera Árabe. Com a mídia alternativa em parte elucidando e em parte cooptando pautas, navegando em mares de fake news, a onda nacionalista cresceu e convenceu – trazendo para aqueles que resistiram a bandeira a partir da expressão “Ele Não“.

Um deles, em determinado momento, coloca em dúvida quais expressões de sua existência se deram pelo viés da democracia. Ele chama de “breve experiência democrática“, sem, contudo, delimitá-la – já que, tanto a chegada do EI ao poder na Síria quanto à derrubada de Dilma Rousseff no Brasil se deram com manutenções de estruturas institucionais que tornou tudo bem mais nebuloso.

Para complementar, os Bakkour se reúnem no Rio de Janeiro e mostram que não há família que não carregue consigo suas complexidades. Suas falas vão desde a comparação entre a forma como os dois países lidam com saúde e educação pública, até as diferenças na liberdade de expressão, que podem atenuar certas crises provocadas pela insatisfação com o Estado, mas nem sempre geram resultados práticos. Se restava dúvida de que jamais devemos tratar assuntos que envolvem manifestações culturais distintas pelo viés reducionista, “Depois da Primavera” vem para corroborar a tese de nunca é tão simples quanto parece.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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