Sinopse: Joana, 13 anos, quer descobrir por que sua tia-avó faleceu aos 70 sem nunca ter namorado alguém. Ao encarar os valores da comunidade em que vive no Sul do Brasil, ela percebe que todas as mulheres da sua família guardam segredos, o que traz à tona algo escondido nela mesma.
Direção: Cristiane Oliveira
Título Original: A Primeira Morte de Joana (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 31min
País: Brasil
Todas as Mortes
“A Primeira Morte de Joana” é mais uma bonita produção que traz a narrativa coming of age para o universo do Cinema LGBT – adicionando às questões envolvendo representatividade um toque sensível e saudosista nas representações. Apresentado na quinta noite do 49º Festival de Cinema de Gramado, o representante local, dirigido por Cristiane Oliveira, era apontado como um dos mais esperados e provável favorito a alguns Kikitos na noite do próximo sábado.
Um longa-metragem que dialoga tanto com o lindo curta brasileiro “Letícia Monte Bonito, 04” (2020) quanto de produções que vão desde França com “Verão de 85” (2020) à Austrália com “Meu Primeiro Verão” (2020). Talvez a grande diferença aqui é a maneira como a cineasta usa a mise en scene como parte fundamental da narrativa, integrando objetos que dizem mais do que diálogos expositivos comuns ao gênero. Com isso, a obra nos pega mais pela sensorialidade do que pela verbalização – e quando se utiliza do expediente mais tradicional, é de forma bem tocante.
O filme conta a história de uma adolescente (interpretada por Letícia Kacperski) que acaba de perder sua tia-avó Rosa. Mais do que uma referência familiar, ela era o ponto fora daquela curva, a provocação despadronizada de uma pequena cidade do Sul do país. Há mais de dez anos uma abordagem com semelhanças territoriais saiu vencedor de outra mostra de cinema que se pauta pelo tradicionalismo e pelo virtuosismo estético, o Festival do Rio. “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009), de Esmir Filho baseado em livro de Ismael Caneppele conseguia, assim como “A Primeira Morte de Joana” renovar a linguagem, dando ao público mais jovem uma experiência.
Aqui também se usa a viagem temporal, dando uma áurea biográfica ao roteiro da própria Cristiane ao lado de Sílvia Lourenço. Na época do MSN e do Orkut, gênese na Era da Informação, às perguntas que começam a ser respondidas sem o verniz paternalista e conservador da sociedade na qual a protagonista está inserida. Com isso, Joana procura equilibrar a luta por respeito aos desejos de Rosa com a justificativa para os motivos que a tornaram diferente. A base do “mistério” é a ausência de um relacionamento oficial da tia.
Aos poucos, a diretora vai colocando outros elementos que tornam aquela ausência cada vez mais presente no espaço – e a vida de Joana um pouco mais de morte. O espectador descobre que, para ela, somente Rosa sabia fazer uma boa cuca. E que é um desrespeito seu velório ser realizado com ela maquiada, já que a falecida não fazia isso em vida. Na investigação pessoal sobre o passado e o que tornou Rosa uma incógnita, ela divide conosco alguns pontos. Entre eles, a predileção pelo livro “Anarquistas, Graças a Deus” – em que Zélia Gattai, também de maneira semiautobiográfica, trata de sua ancestralidade com filha de imigrantes europeus na Paraná.
Já na constante pergunta à sua mãe, Joana recebe como resposta o evasivo conceito de “elegância”. A discrição tomada enquanto qualidade e que silencia ainda mais as vozes que fogem do padrão. Firme em um propósito, a personagem acaba criando uma rede de intercâmbio de vivências entre diferentes gerações de mulheres. A realizadora parece querer manter o espírito de rito de passagem usando o som de ventania sempre que possível nas sequências. Até que Joana começa a fazer, internamente, o mais importante dos exercícios: o da projeção.
Encontra em uma centelha de relacionamento com uma jovem a libertação dessa amarra que é estar condiciona a um. Dali em diante, sai a narrativa de estranhamento e começam as discussões mais diretas sobre os estereótipos de masculino e feminino, reforçados pelas expectativas da sociedade. São várias as mortes que ela ainda terá pela frente, inclusive uma pequena morte – como os francês chamam o período após o orgasmo.
Questionamentos que levam às incertezas – e com isso a morte de conceitos e de preconceitos. Na mesma proporção a essas mortes, vários renascimentos. “A Primeira Morte de Joana” talvez seja o coming of age mais soturno dentre todos que tomam conta do audiovisual contemporâneo. Isso pode ser uma característica que torne a sessão menos fluida para a plateia mais tradicional. Reflete muito dos espaços de onde o filme vem. Em que tradições precisam se romper, para que as mortes façam sentido.
Veja o Trailer:
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