Sinopse: Em “Ali no Queens”, após a morte do pai, um adolescente vai para Nova York em busca da mãe e acaba encontrando amor e conexão em lugares inesperados.
Direção: Lucky Kuswandi
Título Original: Ali & Ratu Ratu Queens (2021)
Gênero: Drama | Comédia
Duração: 1h 40min
País: Indonésia
Expectativas e Frustrações
Um dos lançamentos da semana na plataforma de streaming Netflix, “Ali no Queens“, tem grande potencial de agradar o espectador brasileiro. Usando uma base folhetinesca, desdobra o núcleo de uma novela de forma dinâmica, em uma trama simples e que ainda consegue dosar bem seu melodrama. Porém, as expectativas e frustrações do título desta crítica vão para além da relação do protagonista Ali (Iqbaal Dhiafakhri Ramadhan, artista popular no país com mais de doze milhões de seguidores em seu perfil no Instagram) e sua mãe, Mia (Marissa Anita). Há um discurso que se ergue na parte final que comprova que, por trás de algumas modernizações e releituras críticas das representações dentro das narrativas, ainda há espaço para algumas reproduções enviesadas sobre o ideal de sucesso.
O primeiro terço do filme dirigido por Lucky Kuswandi (evito consolidar enquanto ato aqui, porque supera o que seria uma abordagem inicial) flui de forma a romper com o que imaginamos ser uma obra desta natureza. Começando pela caracterização de seus agentes. Mia, contrariando a lógica da sociedade patriarcal, é a pessoa da família que migra da Indonésia em busca de melhores condições de vida em Nova Iorque. Ela buscará se estabelecer – ou pelo menos obter algum ganho – por um período de um semestre, deixando marido e filho pequeno no seu território originário. O pensamento engessado do pai provedor e da mãe comandante da casa pesa para o homem, que não gosta que ela permaneça nos Estados Unidos após o “prazo combinado” e pede o divórcio. Não medirá esforços para manter Ali sem informações sobre ela.
Tanto que, no prólogo, as imagens que acompanham uma carta para a mãe ausente traz a narração de um menino. Apenas com a morte do pai ele descobre um conjunto de correspondências ao qual não teve acesso, bem como uma passagem para que ele pudesse visitá-la no Ocidente. A comunidade onde ele está inserido se mostra resistente, a mulher, para alguns, é tratada como morta e, para outros, como aquela que abandonou a família. Atravessamentos pouco diferentes de outras sociedades, que romantizam a maternidade enquanto abdicação da liberdade, assim como celebram a paternidade ausente quando a causa se mostra válida. O cineasta cria na montagem do terço inicial de “Ali no Queens” uma ideia de deslocamento. Na Indonésia, a música que toca é em inglês (“Why Would I Be“, de Teddy Adhitya). Quando somos levados a Nova Iorque, ouvimos uma canção em indonésio (“Khayalan“, da banda The Groove).
Um grupo de imigrantes modernas, conectadas e tecnológicas acolherá Ali em um dos bairros mais famosos da cidade. Uma ideia contemporânea da relação com os Estados Unidos, sem esquecer a forma de invisibilizar estes agentes. Sendo assim, o protagonista terá duas semanas para atacar em duas frentes: a primeira é encontrar sua mãe, com poucas informações nas mãos, em um território que a invisibiliza; a segunda é viver seu próprio sonho americano. E a parte inicial se encerra com a grande frustração da vida do garoto: assustada pelo reencontro repentino, Mia usa a mesma tática invisibilizadora como defesa, empurrando seu passado para debaixo do tapete. O garoto insiste e coloca como meta conseguir também se estabelecer no país, fazendo bicos de faxineiro, massagista e até batendo ponto de paparazzi à espera de um clicar alguma celebridade.
Daqui em diante, o longa-metragem é uma mistura de reprodução de discursos e alguns lampejos de boa narrativa, em abordagem que tenta fugir dos caminhos os quais conhecemos. Quando o roteiro da jovem Ginatri S. Noer deixa de lado a velha história e quer tornar a obra algo além de um “filme de busca”, cai na armadilha de atrair questões que não ataca tão bem – mas leva de forma aceitável até um exercício final. Como dito no início, há um magnetismo para aqueles que gostam desta criação de folhetim, algo que mencionamos ser um dos destaques enquanto característica de “Mães de Verdade” (2020), produção mais recente da diretora japonesa Naomi Kawase. Os dilemas familiares, envolvendo fantasmas do passado, traumas em relações maternas e de casais, um via em mão dupla que exige entendimento e empatia pelos mesmos que sofrem as consequências dos eventos.
Kuswandi não contorce tanto para provocar excesso de risos e lágrimas. “Ali no Queens” é sóbrio, se comparado com sua proposta. Alcança suas intenções, em um produto mais humanizado do que a média. De forma natural, Ali e Mia vão descobrindo formas de partilhar e respeitar suas próprias dores, para que as peças que o destino pregou não se tornem desculpas para novas feridas. Soa bonito, não é verdade? Pois é, uma pena que uma montagem final, que espelha a carta do protagonista, antes um menino no interior da Indonésia e agora um adulto na efervescência de Nova Iorque, romantize um modo de vida que reproduz a visão colonialista, aquela de que o sucesso de ser explorado e invisibilizado na América vale a pena trocar suas raízes, da quarta maior cultura do mundo (se pensarmos a população que a produz), quase sem pestanejar.
Soa problematizado demais, não é verdade? Pois é, cada um com as suas expectativas e frustrações. Talvez tenha assistido novela demais para continuar acreditando nelas.
Veja o Trailer: