Sinopse: Em “Amazônia em Chamas”, o cineasta Michal Siewierski embarca em uma jornada audaciosa para expor os reais motivos dos incêndios florestais na Amazônia e o ritmo alarmante de desmatamento no Brasil. Variando de escolhas alimentares das pessoas a grande corrupção política, ganância corporativa e crimes contra as pessoas e a natureza. Takeout aborda os fatos e histórias que os meios de comunicação tradicionais têm medo de cobrir.
Direção: Michal Siewierski
Título Original: Takeout (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 14min
País: EUA
Quem se Importa?
Chegando na plataforma de streaming Telecine Play, a produção norte-americana “Amazônia em Chamas” traz alguns rostos conhecidos dos brasileiros para falar de um problema que deixou de ser tipicamente nosso. Sob o viés que relaciona a indústria da carne com o aumento do desmatamento da maior área verde do planeta, o documentário pode parecer básico ou primário para os interessados na questão. Todavia, é inegável o poder universalista que o didatismo da obra, que tem em Moby um dos produtores (ao lado do empresário e ativista Peter Eastwood).
Uma iniciativa que se vincula a alguns longas-metragens que a Apostila de Cinema tratou na cobertura da Mostra Ecofalante de Cinema de 2020. Um aprofundamento das demandas sociais contemporâneas, que tem no desenvolvimento sustentável um pilar de esperança. Em pouco mais de uma hora, especialistas das áreas médicas, representantes de povos originários e famosas vozes a favor do veganismo ou da redução do consumo de carne animal apresentam, em uma montagem tradicional, seus argumentos.
O filme é dirigido por Michal Siewierski, que possui experiência no assunto. tendo lançado “Food Choices” (2016) e “Diet Fiction” (2019), que tem na tirania do agronegócio sua premissa. Viveu no Brasil entre 1987 e 2003, onde se formou em Engenharia Florestal na Universidade de Brasília (UnB). Voltou ao seu país de origem e, depois de uma bem-sucedida careira na TV enquanto diretor e produtor comercial, focou em outra origem: a de trazer a defesa do meio-ambiente como objeto de seus trabalhos.
O título da crítica resgata o documentário “Quem se Importa” (2013), que era totalmente propositivo. Nele, a diretora Mara Mourão, também oriunda da publicidade, foca no empreendedorismo social. Aqui, o cineasta norte-americano se preocupa em apontar e se debruçar sobre o problema. Uma obra que pode ser vista como porta de entrada de debates por quem ainda não entendeu que a proteção ao meio ambiente não é uma demanda que permite mais a neutralidade – ou a alegação de desconhecimento. Os hábitos alimentares possuem uma importância que ultrapassa a econômica – mas também o é – e quando entra neste ponto a narrativa liberal poda um pouco os discursos.
Com isso, as falas se misturam. Luisa Mell, por exemplo, apresentadora, influenciadora digital e ativista vegana foca na cadeia produtiva, aplica o olhar que incrimina o agronegócio mitigando a responsabilidade do Estado e seus gestores. Enquanto isso, João Gordo é mais direto em definir o preconceito da visão direitista de relacionar qualquer preocupação humanitária com comunismo. Há um ponto nas dinâmicas sociais e mercadológicas que, infelizmente, torna a revolução vegana mais difícil e “Amazônia em Chamas” evita um pouco tal abordagem.
A tal regulação de mercado não permite tornar aplicável a política de punição ou boicote a produtores ou países que baseiam sua produção na destruição de ecossistemas e no uso de agrotóxicos. Mesmo com todos os desmontes no setor de proteção, ampliados no atual governo de Jair Bolsonaro, o Brasil não é tirado do jogo. Excluir do tabuleiro um agente desta relevância faria com que o preço das carnes aumentasse, sem que as nações ofereçam uma contrapartida a essa medida protetiva do planeta. Portanto, convencer o capital especulativo de que as perdas de curto prazo trarão benefícios mais adiante ainda é um desafio enorme no atual contexto.
Mesmo assim, essa maneira inconclusiva não tira os méritos que o filme possui. Apresenta com imagens, dados estatísticos e depoimentos bem fundamentadas motivos pelo qual nossa alimentação merece ser repensada. Seja como política estatal, convenção de um grupo ou decisão individual. As consequências vão do extermínio dos povos (cultura e conhecimento) indígena ao surgimento de novas doenças, antes alocadas apenas em regiões não habitadas por humanos como a Floresta Amazônica.
A pandemia do novo coronavírus nunca foi uma surpresa para pesquisadores e epidemiologistas, que já previam no próprio documentário a iminência de patologias graves se alastrarem na sociedade. Traz a soja como auxiliar que contribui para o aumento do problema, mas também permite algumas chances de substituição. E também levanta a importância da regulação dos regimes das chuvas. É possível que encontre, em espectadores interessados, um público disposto a mudar ou, pelo menos, refletir.
Por mais que a busca pelo tal universalismo e um diálogo popular acabe trazendo participações como a de Xuxa Meneghel, que ocupa ali um (também) importante espaço enquanto celebridade aliada à causa vegana, o documentário não aposta apenas nesses rostos para enviar suas mensagens. De forma acertada, deixa a questão da crueldade animal para o fim, fugindo do risco de ser taxado como panfletário, apelativo ou sensacionalista. Atinge um grupo que ainda não dimensionou o senso de urgência – que ainda vê em iniciativas como a Segunda sem Carne, embrionária em nossos processos individuais de desconstrução do padrão alimentar, algo novo.
“Amazônia em Chamas” sai de uma abordagem que fala do efeito borboleta do consumo globalizado para demonstrar, sem alarde, que é possível em poucos gestos ajudar a virar um pouco o jogo. Permite, então, pequenas revoluções do sofá.
Veja o Trailer: