APPortados

Apportados Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “APPortados”, Polo (Aldo Escalante) e Blas (Ricardo Polanco) ficam bêbados, iniciam uma campanha de crowdfunding para a criação de um aplicativo de justiça social e arrecadam milhões. Só que agora eles precisam realmente entregar o produto.
Direção: Marcos Bucay
Título Original: Fondeados (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 37min
País: México

Apportados Crítica Filme Netflix Imagem

Por Sua Conta e Risco

Não há uma fórmula. Nem sempre a reunião de relevantes aspectos do cotidiano, em uma abordagem que se propõe a questionar os comportamentos e a rotina contemporânea se transforma em uma crônica divertida. “APPortados“, produção mexicana lançada mundialmente pela Netflix na última sexta-feira, é um exemplo. O diretor e roteirista Marcos Bucay quer misturar referências em uma comédia situacional, mas alcança uma obra que – em sua primeira metade – parece mais uma sequência de esquetes, enquanto na segunda traz conclusões reducionistas para atingir as velhas mensagens de sempre.

O filme se passa em um dos inúmeros centros urbanos da atualidade. Estrelado por uma dupla de amigos de classe média, homens cada vez mais inseguros ao se aproximarem da casa dos trinta anos, traz a caracterização dos tempos atuais. Do sapatênis ao patinete elétrico, o espectador se insere em um dos desdobramentos da sociedade tecnológica e empreendedora, de um mundo competitivo e individualista. Se desde a Grécia Antiga, o riso a partir de personagens piores do que a média, a ridicularização a partir de várias frentes – incluindo a derrota – sempre foi uma busca, nunca foi tão fácil desenvolver narrativas sob tal premissa.

Talvez estejamos vivendo a era mais arruinada e decadente da história da Humanidade. Tudo é descartável, inclusive o outro – o que dá consciência de que somos todos, em nossas inúteis existência, tão desprezíveis quanto as diversas embalagens de plásticos que reunimos para colocar na coleta de lixo seletiva na finalidade de desobstruir nossa consciência. O que o cineasta faz é atrair frentes dessas manifestações. Do protagonista com conhecimento em barismo e que não consegue trabalho em um café gourmet (afinal, o empreendedor não trará um potencial concorrente para o seu território) ao coadjuvante que busca desde já uma colocação para seu filho pequeno, transformando-o em um youtuber de unboxing infantil – talvez as peças audiovisuais mais absurdas em nosso ciclo interminável de estímulo ao consumo.

Banner Leia Também Netflix

APPortados” provoca reflexão, mas não nos envolve enquanto obra. Parece pontuar vários elementos, listar possíveis debates. Não transforma essas possibilidades em uma trama enlaçada, nem ao menos na diversão a qual se propõe. É um lamentável tiro n’água de um mote interessante, curioso, de personagens questionando a dependência do capital, tentando sair de uma lógica de aquisição de bens duráveis ou não – mesmo dentro de uma filosofia minimalista.

Aqui temos uma história que assume nosso papel enquanto reféns de um espírito coletivo que não nos deixa romper com os hábitos da sociedade tal qual a mão invisível do mercado deseja. Nunca foi tão difícil ser aquela pessoa que “faz a diferença” com as próprias atitudes, ainda mais no momento em que só conseguimos nos comunicar com a maioria dos conhecidos e desenvolver nossos ofícios em uma ferramenta que exige um marketing pessoal fajuto, vender felicidade aos olhos dos outros – com uma dose de ansiedade e depressão porque parecer um super-herói também não cai bem.

Ao absorvermos a ideia de que há um guia comportamental possível, sendo o único que traz resultados, aceitamos que vivemos em várias pirâmides dentro de uma comunidade expandida. Somos influenciadores e influenciados, criadores e criaturas em um shark tank, como adoram metaforizar aqueles que nos trouxeram a esta situação. O longa-metragem quer traçar essas críticas, mas não se aprofunda, parece querer fazer piada sobre o que há de ridículo em tudo isso – uma pena que também não consegue.

Um empreendedor diria que há uma dificuldade de experienciar. Já os críticos tradicionais adequarão a baixa intensidade da fruição da obra aos seus termos. O filme acaba por ser pueril, abobalhado, inocente. Na ponta final, a lição não é tão descartável e mostra que devemos pensar em como estamos em um redemoinho em que somos todos vendedores e compradores de sonhos. Cada vez temos menos – e não é apenas em nossa consciência. Claro que “APPortados” terá sua dose de “seja a própria mudança” em sua mensagem, mas em um ato final que já perdeu a conexão com grande parte do público.

Totalmente refém de uma rotina de horários rígidos, o produtor de conteúdo poderá sentir dor física se desejar abandonar a sessão – e ainda mais ter que trazer algo sobre ela ao seu público. A carapuça serviu neste sábado de manhã. Restou a nós falar mal do mundo, já que Marcos Bucay apenas ensaiou brincar com os problemas.

Veja o Trailer:

 

Clique aqui e leia críticas de outros filmes da Netflix.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *